O dia em que o céu caiu

Fico imaginando o dia da queda do céu.

Quando ele despenca aqui na terra. Fazendo enorme estardalhaço. Desabando nuvens. Entulhando tudo aqui embaixo.

Quando o céu desabar espero não estar aqui pra contar.

Espero também que os anjos não sejam atingidos por essa catástrofe. Que nossos entes queridos não sejam afetados pelo desabamento. Que se afastem no momento exato da queda do céu. Que não seja num dia lindo como o de hoje.

Quando o céu desabar, devido às chuvas que tem caído sem cessar. Que sandice a minha. As chuvas caem por debaixo das nuvens. Que se acinzentam todinhas na hora certa de chover. Quando o céu azuleia, como agora acontece, torna-se impossível cair água do alto.

E como era bom ver escorrerem enxurradas. Nos meus tempos de menino. Naquelas águas barrentas fazia barquinhos de folhas de jornal. Que se lançavam nas correntezas. E euzinho ia atrás.

Como tem chovido nesse começo de ano. Chove de norte ao sul. Derrama água de leste a oeste.

Muita gente perde tudo na enchente. Pessoas se vêem ao desabrigo. E a chuva tem caído. Deixando molhado tudinho aqui embaixo.

Na rocinha do meu amigo Chico tempestades acontecem no dia após dia. Num dia chove mansinho. Noutro o céu escurece e desaba água por todas as bandas.

Fevereiro começou desse jeitinho. Céu claro pela manhã. A tarde escurece e a tempestade desce. A chuva cai sem cessar. E a estrada se torna inviável ao trânsito. Para chegar até a rocinha do meu amigo se torna preciso a ajuda de um trator. Essa máquina poderosa arrasta os carros ladeira acima. Ah! Não fosse ela teríamos de pernoitar no mato. Ainda bem que nesse mato tem cachorro. Melhor ainda quando ladram e não mordem. Mas cuidado quando esse latido cessa. Corra enquanto pode.

Naquela madrugada de sexta feira o céu acordou emburrado. Parecia que lá no alto acontecia uma rusga entre a lua e as estrelas.

De repente o céu acinzentou-se. As nuvens carrancudas olhavam uma pra outra e diziam: “vamos fazer chover”?

Em comum acórdão a chuva despencou em meio a raios e trovões. Faíscas riscavam o céu. Um ruído, como o pipocar de balas de canhão, se ouvia à distância.

Foi nessa hora exata que Chico acordou. Acordou em termos, já que não conseguiu dormir durante a noite.

Pulou da cama em trajes sumários. Se é que se pode chamar peladinho de traje sumário.

O telhado de sua casa goteirava. Águas barrentas entravam casa adentro.

Chico, de rodo na mão, tentava amenizar o estrago da enchente. E nada adiantou, pois todos os móveis foram alagados. A geladeira boiava na enchente. O fogão novinho foi arrastado pela correnteza. Até o armário de madeira purinha foi reduzido a um monte de tábuas encharcadas.

Do lado de fora da casa era o mesmo cenário.  Não se via a terra. Apenas e tão somente um ribeirão que mais parecia um rio caudaloso.

A roça de milho foi pras cucuias.  O curral virou uma poça d’água enorme. As vacas nadavam na enchente. Seu cãozinho de estimação foi levado pela correnteza. Adeus Xodozinho. Coitadinho delezinho.

Chico nada tinha a fazer a não ser rezar ao pé da bananeira. Mas a chuva não dava tréguas. Chovia a encher baldes. Mais água descia das nuvens cinzentas.

Foi naquele dia que com ele me encontrei. Ali passei levado por um desejo de saber como estavam os amigos. Foi preciso coragem para enfrentar a barreira da estrada. Quase atolei no barro. Ali apeei num impulso de moleque que não mais era.

Encontrei o velho Chico tentando salvar suas galinhas. Elas estavam com água até no bico.

Ajudei o amigo Chico a secar o galinheiro. Em troca recebi duas dúzias de ovos caipiras.

Uma hora depois o céu caiu aqui embaixo. Um estrondo enorme se ouviu.

Fomos obrigados a nos abrigar debaixo de uma velha amoreira. Não carece dizer que um raio a fez fatiar em duas metades.

Salvamo-nos por pura sorte. Corremos a léguas de lonjura. Foi quando pedimos carona nas nuvens. E fomos direto pro céu.

 

Deixe uma resposta