Como deveria ser a morte?

Na minha concepção ela deveria ser assim: quando a gente perde a esperança. Os sonhos deixam de existir. Quando não temos mais aspiração de nada fazer. Assim que a idade chega. E a gente, cansado de viver. Fecha os olhos devagarinho. Enxergamos pela última vez o pôr do sol. Abraçamos pela derradeira vez nossos netinhos. E levitamos em direção às alturas. E passamos a viver noutra vida.  De onde não se volta e se desconhece onde seja.

Já me cansei de falar de morte. Não digo que esteja preparado para quando ela vier. Penso ainda ter muitos anos pela frente a admirar o sol poente. A contar as estrelas que iluminam o firmamento. A caminhar sem destino certo. A um lugar pra mim desconhecido.

Mas quando chegar a hora dessa viagem. Não irei comprar passagem. E nem carecer de passaporte. Já que pra onde irei todos os viajores já cumpriram a missão aqui na terra. E dispensam indumentária. Qual seria o traje usado naquele lugar pra onde iremos? Pra mim basta um cadinho de nada. Um traje sumário. Melhor ainda andarmos desnudos por entre as nuvens. Já que naquele lugar deve fazer calor.

E quando chegar a minha hora espero deixar aqui embaixo um amontoado de saudades. Pessoas que comunguem sentimentos de verdadeira amizade. E que digam do fundo do peito: “como era inspirado aquele sujeito. Ele com certeza deve estar escrevendo no céu.”

Pra mim a morte deveria acontecer de repente. Durante um sono profundo. Em plena saúde. Sem dor ou sofrimento que antecedem nosso último suspiro.

A morte é consequência de estarmos vivos. Não se morre duas vezes como não se pode viver eternamente.

Desejo morrer cercado de amigos. Que lamentem de coração a minha despedida. Que derramem lágrimas de verdade; não um choro fictício.

Já escolhi data e o mês quando irei partir. Já anotei no calendário qual dia será. Vai ser nesse mês em curso. Num dia imaginário. Pra mim idealizado como trinta e um de fevereiro. Ou num primeiro de abril; dia da mentira.

A morte, na minha concepção, deveria ser num dia cinzento. Quando o sol não sai por entre as nuvens. Num dia escuro e chuvoso. Sem a menor perspectiva de clarear no decorrer do dia.

A nossa hora final, pra mim desconhecida. Deveria ser ao final do ano. Quando mais um ano chega. Sem perspectivas de viver para sempre. Já que nossa saúde, já bem debilitada. Não oferece chance de melhoras.

A minha expectativa sobre a morte não seria continuar a viver indefinidamente. Já que ninguém fica pra semente. Todos partem. Sem chance de dizer: “por favor, adiem minha despedida. Desejo ficar aqui mais um ano. Que sejam alguns dias apenas”.

Um dia a morte chega. Que venha bem depressa para aqueles sofredores. Já pra quem não sofre que ela venha de mansinho. A passos de tartaruga manquitola. Que anda olhando pra trás.

No meu entendimento a morte deveria acontecer sem nosso conhecimento. Sem provocar lamentos aos que aqui permanecem. Sem choro nem vela. Nem uma fita amarela escrita com o nome dela.

A morte deveria ser assim. Um céu que pouco a pouco escurece. E a gente nem soubesse que seria o fim.

Pra mim morrer é inevitável. Mas não sofram por isso. Vivam em paz.

 

 

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