As estribeiras do Zé do estribo

Quem nunca perdeu as estribeiras por certo nunca andou a cavalo e ficou preso pelos estribos.

Eu já me senti assim.

De retorno de uma volta à cavalo. Montado no podrinho Theo.  Cavalinho ainda inteiro batizado com o mesmo nome do meu primeiro neto.  Ao chegar à beira do curral. Ao ver sua mãe em pleno cio a esperar. Elezinho empinou. Caiu de costas junto comigo. E eu, peão inexperiente, tentando me segurar nas mãos do vento. Ao chegar ao chão, por sorte recheado de esterco seco e macio. Não quebrei nadica de nada. E ainda por cima segurei meu celular e ainda fiz uma selfie de nós dois em plena queda. Pena que não tenho mais essa fotografia entre meus guardados. Para comprovar se foi verdade ou mais uma invencionice das minhas.

Já perdi as estribeiras quando jogava tênis. Não quebrava a raquete por ser de alto custo. Como fazem os tenistas profissionais.

Já fui considerado de estopim curtinho.  Graças ao bom Deus o presente me ensinou a esperar um pouco mais até que o barro seque depois de uma discussão.

Dizem que perder as estribeiras é coisa de gente intempestiva. Que não abe esperar que a fila ande.

Já fui chamado de destemperado. Agora me acostumei a ter paciência até que a cozinheira tempere bem a comida.

Ter paciência é prerrogativa dos sábios. Dizem que quem espera alcança. E acaba descansando.

Outro dia, na mesma rocinha minha. Montado no mesmo podrinho Theo.  Já castrado como eu. No meu caso melhor dizer vasectomizado. Ainda conservo meus tentos intactos e bem guardados dentro da minha bolsa escrotal. Indo de um lado a outro. Irrequieto como uma borboleta macho de flor em flor. Ao dar uma paradinha na casinha do meu retireiro. Ele, o velho e bom amigo Custódio me disse: “doutor Paulo. O senhor, a exemplo de um cavalo inteiro, nos seus setenta e cinco anos, não tem parança.”

Na hora não perdi as estribeiras. Considerei aquele dito como um encômio. Vindo da sabedoria de uma pessoinha de alma purinha. Vivido e convivido com as mazelas da vida sem se deixar abater por elas.

Já aqueloutro amigo. De boas relações com verdadeiros amigos, até que lhe pisem na joanete. Cujo nome primeiro é Zé. Simplesmentemente isso. É considerado nas vizinhanças de estopim bem curtinho.

Zé não leva desaforo pra casa. Ele responde à injúrias com uma penca de pedras nas mãos. Briga, xinga, fala palavrões.

Um dia o encontrei às turras com um vizinho. Um metro e um mucado maior que ele.

Eles estavam prestes a se engalfinharem.  Seria uma briga ruim para o Zé.

Seria como enfrentar um Mike Tyson em seus melhores dias antes de morder a orelha do seu oponente.

Uma turba ululante cercava a dupla num ringue que se formou no entorno.

Zé rosnava como um cão feroz. O outro simplesmente sorria antevendo a surra que daria no pobre Zé.

Nenhures dos espectadores tentava apartar a briga.  Quase uma rinha de galos de briga.

Não carece dizer que o desfecho previsível da luta foi esse. Zé, depois de perder as estribeiras. E levar um soco só na fuça. Que o fez perder uma penca de dentes da frente. Soçobrando os dois de trás. Montou no cavalo. Que nem era dele. Partiu num galope. Ficou com o pé direito preso no estribo.  E não deu outra. Despencou no chão duro de cimento.  Perdeu de novo as estribeiras. E até hoje se gaba de ter vencido a disputa.

Nunca mais o vi desde aquele infausto dia.

E eu, quando me sinto prestes a perder as estribeiras. Evito montar num cavalo. E ficar, a exemplo do Zé do estribo, com o pé preso naquilo que prende nosso pé logo por baixo da sela.

Melhor contar e recontar até mais de um milhão quando a raiva sobe à nossa cabeça. Perder as estribeiras faz mal a nossa saúde. Não é Zé?

 

 

 

 

 

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