É duro constatar que a palavra mais em uso quando ficamos velhos é esqueci.
Esquecemo-nos onde guardamos a dentadura. Se olharmos em direção ao criado mudo logo iremos descobrir. Dentro de um copo cheio d’água ela descansa. A espera de de novo se mudar para dentro de nossa boca. Onde tem função precípua de mastigar.
Esquecemo-nos de fatos acontecidos no dia de ontem. Mas não nos esquecemos daquela garota que foi nossa primeira namorada.
Tudo vai ser esquecido em pouco tempo. Até que esse mesmo tempo nos leve ao andar de cima.
Talvez seja bom nos tornarmos indiferentes a certos causos que infelizmente sucedem. Fechar os olhos às podriqueiras que certos políticos fazem seria de bom tom. Mas infelizmente temos de fazer vista grossa. Pois assim gira o mundo. Cada vez mais imundo graças ao que fazem certas pessoas. Que ignoram e não sabem distinguir entre o certo e o errado. Espalhando lixo pelas ruas. E depois se queixam da prefeitura pelo desmazelo. Embora não caiba tão somente ao poder publico a limpeza da cidade como aos seus munícipes.
O velho tem a memória afiada como a lâmina de uma faca. Mas por vezes se esquece. E acaba perguntando: “onde deixei meus óculos?” Se olhar em direção a ponta do seu nariz é ali que ele se encontra.
Tenho um velho amigo. Que se aposentou comigo na minha roça. De nome Custódio da dona Hilda. Que saudade tenho deles dois.
Custódio foi meu retireiro durante mais de vinte e cinco anos. Especialista em me dar noticias ruins. As boas ele sonegava. Um dia, que se vai distante. Do outro lado da linha escutei sua vozinha estridente: “doutor Paulo, sabe, aquela sua melhor vaca. De nome Barbara, o mesmo de sua filhota. Atolou no brejo da desesperança morta. E elazinha acabou mortinha da silva. Deixo-a ser enterrada no barro mesmo? Ou prefere que chame a funerária para dar-lhe um enterro decente? Bem que ela merece, pois dava trinta litros de leite frio. Barbara enchia dois baldes até derramar a espuma”.
Noutra ocasião ele voltou a me dar outra novidade. Das boas, diga-se de passagem.
“Doutor. A Braúna pariu uma linda bezerra. Ela está de mojo cheio. Parece que ela vai dar muito leite. É a sua primeira cria”.
Alegrei-me ao ouvir a alvissareira noticia. Só que, logo a seguir, Custódio arrematou dizendo: “é uma pena. A pobre, assim que chegou ao curral torceu a pata da frente. Não sei o que faço com ela. Se a sacrifico ou a deixo viver mancando assim mesmo.”
Não carece dizer que desliguei o telefone. Estava cansado de noticias ruins. As boas ele não me dava nunquinha.
Foi no sábado passado o acontecido. De volta da minha rocinha passei pela loja do Bruno da Padroeira.
Gostaria de encomendar uma tela e mourões para tentar cercar meu píer do avanço das pestes das capivaras. São uns ratões indesejáveis por aquelas bandas. Elas procriam sem controle. Comem tudo que minha querida esposa planta.
A solução foi cercar a beira da represa de telas. Até agora não tive sucesso. As capivaras continuam invadindo meu pedaço do paraíso.
Um dia soltei meus cães. O pretinho Robson deu conta de aniquilar duas delas. O bando se escafedeu dentro d’água.
De volta à loja do amigo Bruno deparei-me com duas pessoinhas velhas conhecidas. Que saudades tinha delas.
Dona Hilda se fazia acompanhar de seu amado Custodio. Levando-o pelas mãos.
Depois de um afetuoso abraço nela foi à vez de abraçar meu amigo Custodio noticia ruim.
Ele mal me reconheceu. Pareceu-me distante e indiferente ao que se passava no entorno.
Dona Hilda me disse e não pediu segredo: “Custodio não sabe de nada. Nem se lembra de quem ele é. Parece que ele sofre de esquecimento. Se fala que come devolve o prato cheio. Se dorme não fecha os olhos. Ele se tornou indiferente. Tenho de sair à rua puxando meu esposo pelas mãos senão ele se perde.”
Despedi-me do casal amigo pensando nisso. Quando ficamos velhos melhor ficarmos indiferentes. A ter de assistir tantas bandalheiras que acontecem por ai.