A manhã acordou debaixo de chuva.
Mal se via o céu. Nuvens cinzentas tapavam a boca do sol.
Chovia destemperadamente desde o mês passado. A chuva caia sem parar.
Um calorão dava as mãos à chuvarada. Dormir só de ar condicionado ligado ou com o ventilador esparramando o calor.
Mesmo assim Vinicius não conseguia fechar os olhos. A última vez que conseguiu dormir sossegado nem se lembra mais. A insônia era sua companheira. Ele dormia só com seus pensamentos. Sonhava, de vez em quando, que estava numa ilha deserta. Debaixo de um coqueiral, deitado a sombra de um deles. E um coco geladinho caia. Permitindo que ele tomasse aquela água de coco. Um liquido refrescante que atenuasse o calor.
Vinicius passou os últimos anos desempregado. Não que fosse um folgado. Não teve chances de completar os estudos. Parou no meio do segundo grau.
Nascido de uma família desestruturada. Pais em constantes desavenças. Mãe alcoólatra e pai traficante. O menino Vinicius só não seguiu o mesmo caminho por ter tido a sorte de morar na casa de uma avozinha.
Ela lhe dava bons conselhos. Recomendava que estudasse. “O trabalho só dignifica o homem”. Dizia ela recheada de sabedoria.
Bem que o jovem Vinicius tentava. Mas portas se fechavam para ele. Diziam, quando ia em busca de emprego: “volte noutro dia. A vaga foi ocupada”.
E o rapaz persistia. Até que tentou estudar mais um pouco. Mas o pouco não era o bastante.
E assim passavam os dias. O moço, de boa índole, via o tempo passar.
Até que num final de semana. Quando saiu à rua na intenção de procurar emprego. Num cruzamento perigoso da cidade acontecia um assalto a mão armada. Não teve como escapar daquele ato tresloucado. Foi confundido com um assaltante. Não portava documentos de identidade. Deram-lhe voz de prisão sem culpa no cartório. Foi trancafiado numa cela ao lado de verdadeiros marginais. Ali passou um mês inteiro até que lhe provassem a inocência.
Foi solto num sábado ensolarado. Uma angústia imensa inundava-lhe a alma já sofrida de tantos embates da vida.
A insônia era a única companhia nos seus vinte e poucos anos. Não mais tinha família. Nem um só amigo com quem pudesse desabafar.
Vivia a olhar pro céu tentando ver o sol por entre nuvens cinzentas. De nada adiantava tomar medicamentos para tentar dormir.
Desempregado, sem renda fixa, Vinicius mendigava. Postado a porta de um banco estendia as mãos aos passantes. Muitos viravam-lhe a cara. Outros deixavam em suas mãos moedas sem nenhum valor.
E ele passava fome. Sem morada fixa escondia-se debaixo de um viaduto. Uma vida sem perspectivas de um futuro melhor.
E ele perambulava a esmo pela cidade. Andrajoso, desgostoso com tudo e com todos. Um ser pensante que só pensava coisas ruins.
Aos quase trintanos, prestes a colher mais um ano. Vinicius subiu num prédio de cinquenta andares.
Que vista linda lá do alto. Quase se podia tocar as nuvens. Naquela noite o céu estava cheio de estrelas.
Foi quando Vinicius teve uma idéia. Das tantas que lhe martelavam os pensamentos.
Por que não subir aos céus? Quem sabe lá iria se tornar mais uma estrela?
Num ato insano fechou os olhos e se atirou lá de cima.
A queda foi rápida como um raio.
Enfim teve fim seu desespero. Não sei se ele subiu aos céus. Ou se tornou mais uma estrela.
Mas que pode terminar assim uma vida que se vai. Das tantas que temos noticia sem causa definida.