Fato inconteste que tem feito calor.
Calor não é bem o termo. Calorão exprime melhor.
Amanhece quente. No decorrer do dia esquenta ainda mais. A noite o calor aquece a cama.
E nos enxota ainda cedo. Em plena madrugada já nos pomos de pé.
Dormir pelado pode ser uma solução para expulsar o calorão. Com ar condicionado não me dou bem, pois entope minhas narinas. Dormir de janelas abertas corre-se o risco de por ela entrar pernilongos. E no meio desses insetinhos voadores podem estar aqueles veiculadores da dengue e outras doenças da moda.
Deveras. Não tem sido fácil dormir com o calor que tem feito. Acordar cedinho tem sido meu costume. Antes das cinco e meia aqui estou. De janelas abertas. Com o computador ligado. A luz do aquário acesa. Meus peixinhos aquarianos me dizendo, irrequietos, nadando: “dorme mais um cadinho. Se quiser passar a noite aqui dentro aprenda a nadar. Aqui, no seu aquário as águas são fresquinhas. E sempre cabe mais um. Desde que você não ocupe mais espaço que te cabe nesse nosso minifúndio”.
Eu só não agradeço o amável convite, pois temo me afogar. Não que não saiba nadar. Mas prefiro aquela piscinona de águas tépidas daquele clube pra onde irei ao cair das tardes. Depois de me exercitar naquela academia. Onde lindas moçoilas me fazem companhia. Onde oiço músicas pelo meu foninho de ouvido e jogo prosa fora. Sem ouvir nadica de nada. Já que prosa ruim entra por um e sai por outro. E faço questão de dizer tudo bem; embora nada vai bem nesse país onde os preços sobem em contrapartida aos nossos salários que decrescem a cada dia.
Ainda não sei qual seria o melhor local para dormir nesses tempos onde o calor tem sido um empecilho ao nosso sono cada vez mais reduzido.
Na cama, que seja, nu em pelo, talvez não seja o lugar ideal. Tenho receio de ser picado por algum inseto chupador de sangue.
Se deixar o ar condicionado ligado a conta de luz vai às alturas da estratosfera e minha esposa vai se tornar uma fera ferida em meu bolso quase vazio.
Se durmo desnudo e saio as ruas desse jeitinho peladinho corro o risco de passar o resto da noite no xilindró. Sob a borduna do guarda nem de longe me arrisco.
Se vou dormir dentro do aquário meus peixinhos me enxotam. Ali dentro não cabe mais um. Ainda mais uma pessoinha madrugadeira como eu sou. Esfomeado como sempre sou. Eles, meus queridos peixinhos aquarianos, morrem de medo de serem comidos ainda vivos. Me acusando de canibalismo. Embora não seja esse o sentido exato da palavra.
Pra vocês, que acompanham a minha escrita, qual seria o melhor lugar pra dormir?
Aqui no consutorio talvez não seja o lugar ideal. Lugar onde atendo a consultas. Faço pequenas operações. E o exame de próstata ainda mete medo a alguns marmanjos. E pode ainda pode prejudicar o sono do insone pensando no tamanho do dedo do urologista.
Um dia tive a curiosidade de fazer essa mesma pergunta a um amigo da roça, de nomezinho simplesinho, como ele só.
Seu Mané da dona Flauzina era gente pouco exigente que morava além da minha porteira.
Desenxabido ele era bem sabidinho. Sabia de tudo um cadiquinho de um cadinho.
De noite contava estrelas. De dia arriscava a vista na luz do sol.
Na sua rocinha, como na minha, fazia um calorão de frigir ovos na terra nua.
“Quer coisa melhor que comer dois ovinhos caipiras pela manhã? De tarde faço a mesma coisa. Dai a minha saúde. Nunca irei carecer de sua ajuda. Embora aprecie sua amizade sincera espero tão cedo não precisar de com você me consultar”.
Assim se expressava ele com seu sorrisão desdentado. Dando-me mostras de sua gentileza.
Gentileza atrai beleza. Apesar da feiúra que se mostrava no espelho espelho dele.
Naquela tarde de verão a temperatura subia às alturas. Ao sol ela chegava aos cinquenta degraus. À sombra ela baixava a menos de trinta e tantos. Durante a noite ela subia mais um cadiquinho. E o sono não vinha. Seu Mané e sua dona passavam a noite em claro embora na escuridão total.
Foi naquela tarde de sábado que por ali passei.
Deparei-me com uma cena insólita.
Dona Flauzina estava à procura do seu Mané. De cabelo em pé ela procurava por todas as bandas. Com ela ele não dormiu. “Onde o danado se escondeu”? Vociferava elazinha.
Procuramos por todas as bandas. E nada do Seu Mané.
Fazia um calorão de fazer urso polar tirar o capote. E nadar pelado no gelo glacial do pólo norte.
Ao final do dia enfim Seu Mané foi achado. O Mané da dona Flauzina, não meu.
Imagina adonde?
Dentro da geladeira. Durinho de frio.
Foi preciso esquentá-lo na trempe do fogão a lenha. De onde ele sai quentinho. Prontinho a dormir de novo dentro da geladeira.
“O melhor lugar para espantar esse calorão que tem feito”. Disse ele e não pediu segredo.
De acórdão com Seu Mané. Eu não tenho como discordar. Melhor que isso nem dois disso…