“Pra mim não fede nem cheira”

Aquela manhã de fevereiro amanheceu de caldeiras a pleno vapor.

No alto o sol tentava se refrescar abanando-se com um lençol de nuvens.

Não era preciso medir a temperatura. Era só ver as galinhas botarem ovos na terra nua que deles logo eclodiriam pintinhos amarelinhos.

Era um calorão infernal. “Cadê a chuva”?  Sonhava com elazinha.  Do céu não escorria água desde há um mês passado.

Seu Antonino, pessoa experimentada, com muitos anos nos costados, não via a hora de a chuva voltar. E era tempo de semear.

As sementinhas de milho já esperavam, impacientes, dentro da tulha onde guardava ração.

Umazinha dizia a outra: “se a chuva não cair não sei o que vai ser de nós. Talvez sejamos dadas as galinhas. E não iremos brotar na terra arada. Dando espigas grandonas e apetitosas. Como milho verde não vamos ser cozidas na água fervendo. Ou de grãos durinhos não vamos virar pamonhas ou saborosos curais”.

Outro dia de intensa labuta esperava Seu Antonino. Antes das cinco da madrugada já se punha de pé. Ele havia enviuvado o mês passado. Que saudades da dona Aurora.   Ela era o único amor que conheceu.

Não tiveram filhos. Viviam na maior harmonia. Eram um pelo outro.

Dona Aurora, ditosa senhora, era quem preparava sua comida. Fazia saborosos pratos.   Especialista em comida italiana. Já que era descendente direto da bela Toscana.

Desde que sua amada esposa subiu aos céus Seu Antonino nunca pensou em se casar novamente. Aprendeu a cozinhar. Lavar suas próprias roupas.  O mais difícil era dormir sem seu amor. Sonhava com ela ao fim da tarde. Quando se recostava ao colo dela e elazinha lhe fazia cafuné.

Mas a vida tinha de continuar.  A roça de milho carecia de chuva. A vacada faminta mugia a beira do curral.

Seu Antonino acostumou-se a viver solitário. Aos quase setenta ainda tinha disposição para o trabalho duro na roça.

Era tempo de plantio.  A noite escutava, no seu radinho de pilha, as notícias do dia.

A guerra entre Ucrânia e Rússia já se perdia de vista. No oriente médio a paz parecia estender a bandeira branca.

No Brasil o que mais se ouvia no momento presente era a carestia do preço dos alimentos. A inflação mostrava os dentes.

O atual presidente sorria ao ver seu oponente ser denunciado pela tentativa de golpe de estado. Na iminência de ser condenado a mofar na prisão por tempo indeterminado.

Não se falava noutra coisa senão na violência das ruas. Até parecia que São Paulo iria submergir nas enchentes.

Noticias boas nem em sonho. Ruins eram maioria.

Naquela madrugada de quinta feira Seu Antonino dormiu sossegado.  Enfim a chuva caiu.

A terra desnuda sorriu. A roça de milho foi plantada.  Tudo dava certo.

Naquela noite o bom homem nem ligou seu radinho. Já sabia de antemão, de cor e salteado, o que deveria escutar.

As noticias de Brasília não lhe importunavam os ouvidos.  O que se passava além mar não era de seu interesse.

Somente a sua roça lhe importava. A perda de sua amada Aurora sim, lhe fazia sofrer de verdade.

“O resto, pra mim, não fede nem cheira”.

Foi o que ouvi dele,  naquela manhã que o visitei.

 

 

 

 

 

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