Mesmo com todos os seus defeitos…

Defeitos, quem não os tem?

Decerto eles se acentuam com a idade.

Sendo fácil de constatar.

É só se olhar no espelho.  Ver as rugas passarinharem pela face. Os parcos cabelos que lhe restaram irem sumindo no decorrer dos anos. Os dentes amarelecidos caírem sem a intervenção de um dentista. Os passos claudicantes não obedecerem as ordens que sua vontade dita. O desejo de amar não ser correspondido por quem se ama. As pernas fraquejarem. A vista se perder na distância. Sendo preciso usar óculos tanto de perto como de longe.  Tudo muda no passarinhar dos anos.

A velhice um dia chega. A passos rápidos ou vagarosos. Devemos estar preparados para quando ela chegar.  Mas não se apresse. Mesmo à mercê de dificuldades caminhe. Se parar retroceda. Se não conseguir chegar a onde deseja persista. Nunca deixe de sonhar mesmo que alguns desses sonhos sejam carregados de pesadelos.

Envelhecer é inevitável. Não se vive eternamente.

Flores desabrocham.  De incipientes botões passam a flores lindas e viçosas. Mas de repente murcham. Caindo a terra mãe servido de adubo as flores novas que virão.

Não pensem que a juventude vai durar para sempre.

Ela se perde no decorrer dos anos. Perdemos a audição. A vista embaralha. No entanto a memória se acentua. O sorriso nunca desaparece desde que nossa família nos procure. Mas se vivermos no abandono tudo perde a cor. As flores perdem o viço. As rosas se despetalam. O mundo que nos cerca se torna indiferente aos nossos desejos. Seremos substuidos pelos jovens. A ordem natural do tempo.

Mas não percamos jamais a vontade de viver.  Sem nos esquecermos do passado caminhamos em direção ao presente. Na incertitude do futuro sempre.

Meu velho amigo, Juventino, mais conhecido por Tino. No alto dos seus muitos anos. Já passou dos tantos entas. De repente se viu jubilado. Depois de incontáveis anos de trabalho duro.

Nos dias de hoje ele sobrevive ao lado de sua veinha. Dona Margarida é o único motivo que lhe resta para ser feliz. A família não o visita mais. Esquecida de tudo que ele fez por ela. Da herança polpuda que ele deixou em vida. Do dinheiro vivo que ele lhes fez presente. No tempo presente e no passado quando mais precisaram.

Seu Tino dorme ao lado de sua querida Margarida. Não se desgruda dela tanto no frio quanto no calor. Não mais fazem amor. No sentido lato da palavra.  Mas o simples contato daquele corpinho envelhecido é mais que suficiente para lembrar-lhe os velhos tempos. Quando só de olhar pra ela subia-lhe ao peito um súbito lampejo de felicidade. Algo definido como orgasmo. Sem o ejaculado prematuro próprios dos jovenzinhos no primeiro ato sexual.

Dona Margarida tem defeitos como outro qualquer. Ressona alto em altos decibéis.

Ralha com ele sem motivo aparente. Faz de brava quando ele não obedece as suas ordens.

Na cozinha elazinha esbanja predicados. Faz cada prato de fazer salivar só de sentir o cheiro. Boa de cama para dormir. Embora seja asmática não sente tanto a falta de ar desde que durma de janelas abertas. Mas seu Tino a tudo suporta, pois não sabe viver sem sua amada Margarida.

E ela continua mandona. Mão de vaca controla com mãos de ferro tudo que ele ganha.

Se Seu Tino diz que vai chegar cedo ela marca a hora. Se ele atrasa é um Deus acuda ele. Pois vai dormir no sofá. Sem direito a encostar nela durante a noite inteira.

Dona Margarida pode ter seus defeitos. Dorme do lado direito da cama. Coberta até o pescoço.  Ronca e solta flatus. Sonha com seus tempos de mocinha ao lado de outro.

Mas seu Juventino não reclama de nada.  E ainda exalta as qualidades da sua veinha.

Um dia fiz-lhes uma visitinha rápida. Era quase hora de dormir.

Encontrei o velho casal tomando uma apetitosa sopa. Uma mistura saborosa de canja de galinha com pitacos de cebola frita com torresmo. Aquilo me fez salivar.

Não tive como me furtar de aceitar o meu convite para jantar.

Passamos juntos duas horas inteiras. Não sem antes escutar os encômios elogiosos de seu Tino a sua querida Margarida.

“Olha! Se tem mulher melhor me diz. A minha extrapola a perfeição. Na cama não tem melhor companhia. Ela dorme e ronca como ninguém. E ainda por cima toma as cobertas de mim quando faz frio. Dorme de janelas abertas. Não tolera ar condicionado por causa de sua asma. Briga comigo assim que acordo. Na parte da tarde também. E quando chego mais tarde. E ela me diz pra chegar na hora marcada. Ai de mim. Sou recebido e repreendido como um garoto traquina. Minha orelha dói até no dia seguinte. Que por sinal é hoje. Mas, com todos os seus defeitos não tem pessoinha melhor que a minha Margaridinha. Ai de mim se falo o contrário”.

Pois é. Quem sou eu pra discordar dele.

 

 

 

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