Pra mim a vida perde o sentido quando se perde a esperança.
Sonhos esboroam. A saúde vai embora.
Deve-se viver enquanto as pernas suportam nosso caminhar. Depois de velhos, vacilantes, sem podermos decidir pela nossa própria vontade o caminho a seguir, pra que continuarmos a viver?
Vivemos enquanto pudermos abrir os olhos a admirar a natureza. Pena que num dia chega impossibilidade de abrirmos os olhos. Que se fecham definitivamente à luz do dia. E passamos a viver na escuridão da noite eterna.
Devemos continuar vivos enquanto a vida nos enseja alegria e felicidade plena. Depois de certa idade acaba por imperar apenas a tristeza e melancolia. É quando a vida perde o sentido.
Viver, definitivamente, é uma ciência. Um eterno aprendizado. Quando deixamos de aprender por que viver?
Viver bem sem olhar a quem. Conviver em harmonia deve ser uma forma ideal de se viver.
Tenho um amigo. De agradável convívio. De nome simplesinho que se escrevia Só. Em verdade seu nome verdadeiro era Ariclenis. Por ser muito complicado ele se rebatizou Só. Por viver solitário numa casinha tosca. No meio do mato. A quilômetros de lonjura da cidade. Até que um dia resolveu atenuar a solidão em que vivia. Feliz até certo ponto. Pois, na idade em que se encontrava. Já descendo a serra alta. Acostumado à solidão. Dormia na própria companhia. Sabia cozinhar. Lavar com capricho as próprias roupas. Que eram bem poucas. Pensando que se bastava até que um dia passou perto da sua casa uma moça bem formosa.
Seu Só caiu de amores pela bela rapariga. Uns bons anos mais nova que ele.
Enfeitiçado pela jovem mulher acabou pedindo a ela sua própria mão. O resto veio junto.
Viveram felizes por muitos e muitos anos. Nunca os vi discutindo. Era um pelo segundo. De mãos dadas caminhavam pela estrada afora.
O nome dela era Hortênsia. Nome de flor que em verdade ela era.
Hortênsia era moça prendada. Recatada só tinha olhos pro seu amor. Não carece dizer que Seu Só só olhava pra ela. E pra ninguém mais.
Foram-se os anos. O tempo passou. A idade avançava nas costas do feliz Só. Não parecia que ele contava com tantos anos. A felicidade fazia daquele senhor o mais feliz dos homens. Ao lado da sua flor de nome Hortênsia.
Uma vez adentrado no ano em que estamos. Na data em que nos encontramos. Encontrei meu amigo Só entregue a mais profunda melancolia.
Ele me pareceu o dobro da idade que em verdade possuía. Já que em verdade sua idade não era mais que um ano a mais que a minha.
Parei para uma prosa. Tinha tempo. Não tinha pressa.
“Amigo Só. Como vai? Tá tudo nos conformes? E a saúde? Vai de bem a melhor? Já se aposentou? Ou continua na lida? E a sua mulher, dona Hortênsia? Não a tenho visto. Ela vai bem”?
Só me olhou fundo nos olhos com aquele olhar recheado de tristeza. Mal conseguia falar. Apenas balbuciava melancolicamente palavras quase ininteligíveis.
“Meu amigo. Não soube da novidade? Minha querida flor murchou. A bela Hortênsia não existe mais. Ela morreu na semana passada. Levando com ela o melhor do meu eu. Antes ela era o motivo único de continuar vivo. Dormíamos abraçadinhos. Cada um no seu cantinho. Ela era o meu travesseiro. O meu encosto verdadeiro. Pra que viver mais? Agora que perdi meu encosto vamos nos encontrar no céu”.
Deveras. Devemos dar valor ao nosso encosto. Enquanto pudermos nos encostar nela. Dormirmos abraçadinhos. No momento em que ela se vai devemos ir juntos. Já que a morte nos apartou de vez.