“Olhai os lírios do campo. Como eles crescem. Não trabalham nem fiam. Nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles. Pois se Deus assim veste a erva do campo que hoje existe e amanhã é lançada no forno não vos vestirá muito mais a vós, homens de pouca fé”.
Parece que o grande escritor gaúcho Érico Veríssimo lançou olhos ao escrever seu romance- Olhai os lírios do campo.
Tudo indica que foi assim.
Hoje, como tem acontecido, olhei pro céu e vi dois sóis.
Um deles estava à sombra do primeiro.
Tentando se esconder dos raios que incendiavam a pobre terra que mais e mais se aquecia há tempos ditos primaveris. E o que dizer do verão que se aproxima? Cadê a chuva que não despenca do alto? Pra onde foram as nuvens cinzentas? Essas indagações nem a meteorologia sabe explicar. Atribuem o fenômeno a um tal de El Niño. Ou La Niña tratando-se de mulher.
E eu peço. Melhor, suplico.
Olhai os homens do campo. Pois é hora de plantar.
A terra já foi preparada. O arado já sulcou. Já depositaram adubo para enriquecer a mesma terra exaurida do plantio anterior.
E nesse tempo seco o que fazer senão orar aos céus e pedir, de joelhos, que São Pedro destampe as torneiras e mande água aqui pra baixo. Senão as sementinhas de milho irão gorar.
Oro por eles. Os homens do campo. Os responsáveis pelos alimentos que mais e mais escasseiam. E o preço dobra e deixa de provir a mesa soberbamente dos menos aquinhoados que mendigam sobras nas esquinas das cidades e dormem ao relento sem eira nem beira.
Olhai por ele. Aqueles homens de braços fortes. Que acordam ao nascer do sol, sem direito a feriados ou dias santificados. Que mourejam no cabo da enxada. Sem direito a carteira assinada, pois eles mesmos são seus patrões.
Hoje, como dias antes, amanheceu de um quentume sem igual. O sol brilha forte. Dizem que se pode fritar ovo no asfalto.
Nem tento. Posso ficar sapecado como galinha frita passada do ponto. Imagine a essa hora. Pra eles tardia. A agonia de procurar vaca atolada num brejinho quase seco. Já passou a hora da primeira ordenha e logo logo o caminhão leiteiro buzina aprontando um berreiro no alto do morro e o leite azedou por falta de luz naquela quase madrugada quente. Cuja temperatura sobe mais alto que a velha amoreira.
Olhai por eles nosso Senhor. Peço encarecidamente que caia a chuva tão esperada. Que a mina não seque e brote viçosa na parte de trás das jabuticabeiras. Que nem frutas deram dado ao calor excessivo.
Olhai para os homens da roça. Que são exemplos de estoicismo sem se vangloriarem.
Olhai por eles como o bem Deus olhou para os lírios do campo. E disse como eles crescem viçosos. Embora não trabalhem nem fiem.
Já que os homens do campo são pra mim as pessoas mais confiáveis que já conheci.
Se não olhar por eles o que vai ser da gente. Vai faltar comida na mesa. Vamos ter de nos submeter a uma dieta asfáltica. Não sei se boa pra emagrecer.
Nesse dia quente. Com o sol escaldante. Volto meus olhos lacrimejantes aos homens do campo.
E imploro. Em forma de súplica. Faça chover logo. Antes que seja tarde.
Alguém precisa olhar em direção aos homens do campo. Pois eles são mais importantes que muita gente pensa.
Que minha prece seja ouvida além das nuvens. Que elas se acinzentem logo. E delas nasçam gotinhas de chuva. Para molhar a terra ressequida mais parecida a um verão rabugento e esturricado como o coração de quem desconhece o valor dos homens do campo.
No dia de hoje volto meus olhos a eles. Como Deus um dia voltou seus olhos aos lírios do campo.