Não se pode escapar do envelhecer.
A velhice é um fato inconteste. Não se pode fugir de colecionar anos.
A gente não nasce velho. Ficamos velhos com o passar do tempo.
Há os que envelhecem aos menos de cinquenta. Já outros deixam a mocidade bem antes dos quarenta. Terceiros se tornam idosos prematuramente. Mas os felizes velhinhos assopram as velinhas rodeados por netinhos. E nem percebem a velhice chegar.
Não se pode escapar da incontestável verdade. Minha avozinha já dizia: “ninguém fica pra semente. Mente quem assim o diz.”
Abandono. Palavra que me soa dura. Difícil de pensar nela.
De vez em quando percebo. Assentado a um banco da praça. Um senhorzinho de maior idade, com aquele olhar perdido no vazio do nada. Um olhar inexpressivo que parece nada enxergar. Solitário, sem nenhures a olhar por ele naquele banco com mais espaço. Ninguém ao lado dele lhe faz companhia. Triste realidade que se manifesta quando ultrapassamos bem mais que a maioridade. Lá se vai distante a fase adulta. Tarde se foi a nossa doce infância.
Idosos cuidam dos filhos até que eles ficam maiores. Uma vez esses filhotes aprendem a voar sozinhos batem asas sem olhar o próprio ninho. E deixam o ninho paterno como filhos não pródigos. Constituindo outras famílias e se esquecem de onde nasceram. E nem ao menos fazem uma visitinha aos finais de semana. Para ver como seus pais estão de saúde. Se precisam de seus cuidados. Abandonados à própria sorte se esquecendo de um passado distante. Quando os pais zelavam por eles dando-lhes presentes de aniversário. Ou suprindo suas necessidades quando mais precisavam de ajuda.
Uma dia assisti, numa platéia onde faltaram aplausos. Uma cena que me comoveu.
Uma velhinha tristonha escreveu uma cartinha ao filho distante. Ela se queixava do abandono em que se encontrava. Numa casa de idosos ela esperava, pacienciosamente, a hora da partida rumo a outra vida.
Assim deixou escrita sua missiva em letras borradas pelo sofrimento:
“Me leva pra rua meu filho. Eu ainda tenho pernas boas. Contigo não me sentirei velha. Convide-me para sua casa pelo menos no domingo de manhã para compartilhar sua boa mesa e me sentir acompanhada. Fale comigo com carinho, meu filho. Não me repreenda nem fique agitado. Os velhos são como crianças e gostamos de sermos mimados. De nos fazer sorrir sem discordar. Celebre minhas ocorrências e não critique minhas loucuras. Vou tentar ser corajosa mesmo se estiver triste. Não me afaste de você nem fale comigo com raiva. Eu ainda tenho minha mente limpa e as memórias do passado me assediam. Venha me visitar na minha casa enquanto eu vivo. Depois não importa que não irei saber se você veio. Não irei lhe pedir nada. Apenas sua presença e contemplar seu rosto e sua juventude pela qual passei. Não me deixe triste sozinha. Não me ponha na cama. Os médicos estão errados, as dores estão na alma”.
É dura a realidade do abandono. Cuide, ame seus pais quando ainda os têm.
Não deixe pro amanhã o abraço que não lhe demos. Afague-os, acarinhe-os, caminhe com eles mesmo que amuletados. E se não morar ao lado deles não se esqueça de visitá-los não apenas nos finais de semana e sim todos os dias.
Um dia seus pais não vão estar mais aqui. E no céu não vai ser possível fazer-lhes uma visita. Agora é a hora. Amanhã vai ser outro dia.
Sei que é dura a realidade do abandono. Aquele velhinho, assentado a um banco da praça, de olhar vazio, em muito se assemelha ao meu saudoso pai. Quando o tive em meus braços pela última vez.