Chovia torrencialmente naquele meado de novembro.
Mal se via o céu. O cinza predominava.
A chuva não dava espaço para o sol entrar. Uma densa camada de nuvens tapava a boca do azul do céu.
Era água pra todo lado. Pra onde se via era só chuva despencando do alto.
Ribeirões embarrigavam. Enxurradas desciam o morro mais parecendo ondas num mar revolto. Era um cenário, pra quem desvestisse os olhos, semelhante ao fim do mundo.
Era água a embaciar os olhos. Dantes a estiagem prolongada era motivo de preocupação aos homens do campo.
Avizinhava-se o tempo do plantio. A terra de pouco sulcada parecia suplicar, ao paizinho do céu, que por favor destampe as torneiras. Deixe a chuva cair de mansinho para que as sementinhas de milho mostrassem as carinhas verdinhas. E em tempo não prolongado se transformassem em um milharal cheinho de espigas graúdas. Cujo destino não seria outro senão ir à panela como milho verde. Ou então, já endurecidas, servirem de alimento as vacas. Famintas ruminantes que mugem de saudade das suas crias uma vez apartadas depois da ordenha. Saindo em fila do curral com as tetas murchas depois de encher os baldes de leite quentinho.
Foi nesse cenário campesino que Zé da mula acordou bem cedinho. Como de costume fazia há um tempão.
Abriu a janela do quarto e olhou pra fora. Só água descendo do alto se via. Nada de o sol mostrar a cara. Quem sabe ele ainda dormia na companhia da sua lua amada. Com quem diziam ter um causo de amor. De cujo consórcio teria nascido uma linda estrelinha que enfeitava a via láctea entre outras irmãs aparentadas.
Zé se levantou com a disposição costumeira. Não seria aquela aguaceira que iria fazê-l0 desanimar. Acostumado às intempéries da vida não seria uma chuvica de nada que o faria abandonar o serviço.
Tomou seu cafezinho coado na hora. Um pão amanhecido servido de companhia a uma broa embolorada que mofava dentro de uma lata esquecida na prateleira. E deixou a casa em direção ao curral.
Já o esperavam duas dúzias de vacas naquela lama que a chuvarada formou na entrada da sala de ordenha.
Não seria possível tirar leite naquela lama viscosa. Carecia primeiro dar uma boa limpeza em tudo aquilo.
Zé arregaçou as calças e partiu para o ataque. Era lama pra que te não desejo. Era barro pra lá de barrento.
Uma hora depois tudo estava limpinho. Menos o corpo bem sujinho9 do esforçado Zé da mula.
Por que Zé da mula? . Podem me perguntar.
Em tempos idos Zé tinha uma mula empacadeira. Aquele asno tinha o costume de empacar a cada vez que passava num mata burro.
Zé, num esforço hercúleo, acabou por dar fim aquele costume rotineiro.
Dizem que ele, num cochicho com sua mula branca, falando com ela ao pé da orelha. Ao repreendê-la carinhosamente a ela disse: “olha aqui sua burra. Não tenha medo de atravessar essa pontezinha. É so fechar os olhos e ir adiante. Num pulo só vai estar do outro lado”.
No que a mula injuriada respondeu: “olha você! Primeiro não sou burra. Sou mula mais inteligente que você.”
Final da ordenha, a sala limpinha, ainda esperava o Zé mais de mil coisas a fazer.
A tarde mal começava. A noite o esperava para mais um soninho bom.
Mas quem diz que a chuva dava tréguas? Mais água a descer do céu.
Foi quando apeei na roça do Zé.
Ele já estava jantando embora fosse ainda bem cedo. Na trempe do fogão a lenha esquentava uma panela cheia de arroz com angu feito na manhã desse dia.
Não querendo incomodar fui direto a assunto: “Zé, que trabalheira danada. É muito transtorno prum dia só!”
No que ele me respondeu. Rindo de orelha a outra.
“Que nada. Transtorno é viver na cidade. Com aquele trânsito empacado prefiro que minha mula empaque. Estou acostumado a viver assim. Deus me livre da vida que ocês levam. Prefiro atolar no barro do que ficar horas e horas a espera da lotação que nunca passa na hora certa”.
Não é que o Zé tá coberto de razão? Acabei, ao chegar à cidade, ficando preso no trânsito e ainda fui multado por falar ao celular.