Mesmo assim sinto saudades

Diz-se que saudade sente-se de coisas boas. De pessoas queridas que já se foram.

Ou até mesmo de amores perdidos e nunca mais revividos. Ou daquele cãozinho latidor. Que costumava esperar seu dono à porta de casa. Abanando o rabinho de tão contente. Indiferente a ração preferida que seu amado dono trazia. E simplesmente por nele depositar um amor incondicional.

Saudade se deposita aos montes. Quando alguém parte e não volta. Ela vem carregada de lágrimas e sentimentos que doem por dentro. Como se um punhal nos fosse ensartado aqui dentro. Que fere sem sangrar.

Saudade é uma palavra sui generes. Não aparentada com nenhum vocábulo em língua estrangeira. Ela tem uma conotação bem peculiar. Difícil de definir e fácil de sentir.

Eu sinto saudade de tantas coisas.

Da minha infância perdida que os anos não trazem mais.

Da mesma forma se manifesta saudade dentro de mim ao pensar naquela casa. Onde morei tantos anos.  Que hoje não existe mais.

Saudades inundam-me o peito ao ver que os anos passaram e minha mocidade se foi.

Em seu lugar um homem adulto deu seu lugar a um ancião sem barbas. Pois se a deixasse branca ela seria. Como um Papai Noel de riso forçado. Que ri por fora e chora por dentro.

Como dois anos passam rápidos.

Era uma quinta feira. Novembro quase ao seu final.

Caminhava rumo um posto de saúde pelas próprias pernas. Não era tão longe que precisasse de carro para lá chegar.

Era meu derradeiro dia de trabalho naquela unidade de saúde. Cerca de trinta longos anos se foram.

Ali atendia clinica médica. Urologia, minha especialidade, foi transferida para outro logradouro.

Naquela manhã de quinta feira alguns pacientes me esperavam. Eram poucos. Uns gatos pingados apenas.

Uma senhorinha, velha conhecida, era a primeira da fila. A ela prescrevi uma dezena de fármacos para controlar sua pressão arterial.

O segundo foi um senhor de mais idade. Com seus bem vividos oitenta ele parecia menos. A ele receitei alguns medicamentos para controlar sua diabetes. Nada de grave. Ele apertou-=me a mão e agradeceu o atendimento rápido.

Veio a terceira. Uma mãe, preocupada com seu sobrepeso, gostaria de saber o que fazer para emagrecer. Encaminhei-a ao médico de glândulas, pois não queria me fazer entendido naquilo que não sabia.  A quarta foi uma mulher que me pediu que lhe receitasse algum remédio para dormir melhor. Mal sabia ela que eu mesmo não durmo direito. Ainda bem que tinha uma receita azul. Elas sumiram da minha mesa. De tão prescritas que eram. Veio o quinto paciente. Do lado de fora da minha sala se podia ouvir seu vozeirão trovoento. Seu Onofre me cumprimentou efusivamente. Era meu vizinho de roça velho amigo. A consulta durou mais que todas que esperavam do lado de fora. Ele só queria prosear. A saúde estava em forma. Nada sentia. Sobreveio o sexto. Era um jovenzinho preocupado com o tamanho do seu órgão genital. Embora não fosse ali o lugar certo pedi-lhe que tirasse pra fora seu pintinho. Penso ter-lhe desfeito a dúvida.  Nada que impedisse o sexo quando ele acontecesse. Do lado de fora a fila emagrecia. Só restava um casal. Entraram juntos. Eram quase noivos. Uma relação que já durava uma infinidade de anos. Os mais que namoradinhos queriam alguns conselhos. Algo como prevenir doenças sexualmente transmissíveis e como evitar gravidez indesejada. Como era meu último dia ali permanecemos por mais de meia hora numa prosa animada. O casal se despediu prometendo me convidar para padrinho de casamento. Não dei meu aceite, pois não sabia quando.

Uma vez terminado meu último atendimento minhas queridas colegas de trabalho fizeram uma festinha de despedida. Teve um lindo bolinho enfeitado por trinta vellnhas. Alguns salgadinhos deliciosos serviram de acompanhantes a refrigerantes diets.

Meus mais de trinta anos de serviço público foram entremeados de alguns dissabores. Mas quem não os tem?

Mesmo assim sinto saudade. De tudo um pouco. Até mesmo das contrariedades por que passei.

 

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