Azar pra mim é festa

Chovia a embarrear a estrada naquele fim de semana que se anunciava.

Água descia a rodo. O céu cinzento não dava chance ao sol de mostrar sua luminosidade.

Enxurradas desciam o morro. Uma água barrenta entrou na casinha tosca do Chiquinho que acordou com água pelo pescoço.

Ele não era de se queixar. Um sujeitinho estóico, deveras resignado. Que olhava para as desgraças sentido graça delas. Com aquele sorrisão desdentado. Numa banguelice gengiventa que nunca o apoquentou. Esquentar a cabeça não era do seu feitio. A pobreza pra ele não era miséria. A riqueza desconhecia desde criancinha.  Nascido e crescido numa comunidade pobrinha. Onde quem tinha mais dinheiro a soma não somava a míseros cem reais.

Graças ao Papai do Céu Chiquinho foi salvo da inanição graças a uma cesta básica que era distribuída na comunidade por gente de bom coração. Quando faltava comida Chiquinho comia a ração dos cachorros e repartia com eles o pão de cada dia.  Mas sempre de sorriso farto. Mesmo que lhe faltasse tudinho o garoto Chiquinho era sempre disposto a ver o lado melhor da vida.

Aos quinze aninhos foi levado por um primo torto a trabalhar na roça.  Graças à fama de gente boa. Trabalhador contumaz e consumido pelas agruras da vida. O jovem menino ali fez seu ninho.

Os pais não conheceu. Diziam, nas cercanias, que ele, ainda bebê, foi achado numa lata de lixo quase desfalecido. Foi adotado, e depois rejeitado, por uma família que não o desejava. Aos cinco aninhos, quando se achava sem futuro. Veio uma senhora piedosa que o levou pra casa. Ali cresceu, uns palmos apenas. Na presente data o alcunharam de Chiquinho Naniquinho. Quem o mede, da cabeça ao dedão do pé, não lhe dá mais de metro e cadinho de altura.

No entanto dos entretantos. Por causa disso tudo. Chiquinho compensava sua diminuta estatura com uma capacidade laboral de fazer inveja aquele tido como bom de serviço.

Naquela manhã chuviscosa Chiquinho acordou mais molhado que roupa dependurada no varal depois de uma noite quando a chuva caiu sem parança.

Mas nem se lixou. Saiu de casa. Arregaçou as manguinhas e nem se deu ao luxo de tomar café.

Era uma quinta feita cinzenta. Mais chuva ameaçava despencar do alto.

Chiquinho foi rápido ao curral. Lá pertinho uma vaca mocha mostrava-se atolada no brejo. Nem os chifres eram vistos. Pois ela não os tinha.

O valente Chiquinho salvou-a mais uma vezinha. Laçou-a e a poder de braços fortes levou-a a um lugar seguro. A tal vaquinha até hoje lhe é por demais agradecida. Sempre muge de contente quando o vê passar.

A chuva não dava descanso. Na parte da tarde choveu para o mês inteiro.

Mas quem diz que Chiquinho renegava a presença da chuvarada se equivoca. Pra ele não tem tempo ruim.

A tarde, quase noite, Chiquinho se deu direito a um descanso. Exausto ele adormeceu no sofá da sala.

Mas de novo caiu uma chuva que goteirou na sua cabeça. Ele subiu no telhado tosco para consertar o estrago. Dali escorregou. Foi ao chão duro de cimento. Fraturou as duas pernas e o braço direito.

Foi quando o encontrei engessado até a alma num leito de hospital.

Chiquinho tomava sopa de canudinho. E com a mão boa que lhe restava coçava a nuca.

Interpelei-o com um comovido “como vai? Carece de alguma coisa que eu possa fazer por você”?

A resposta veio num piscar dolhos: “Ah! Esquenta não. Tô acostumado. Azar pra mim é festa. Amanhã me levanto. Volto pra roça. Se a chuva cair não importa”.

É isso que deveríamos fazer quando a situação nos aflige. Pra que esquentar a cabeça? Amanhã nasce outro dia.

 

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