Dizem que somos a cópia dos pais. Que os traços que herdamos deles são símiles aqueles que eles e nós, filhos e netos, nascemos com uma semelhança quase igual aos nossos antecessores.
Uma manchinha aqui. Um dedo menor que o segundo. Uma falha no cabelo. Uma pinta quase imperceptível que se esconde entre as orelhas.
Quando nasceu meu primeiro neto- Theo, eu me encontrava na sala de parto. Creio ter sido o segundo a acolhê-lo em meus braços trêmulos. Embrulhadinho numa manta para protegê-lo das intempéries desconhecidas do mundo exterior. Elezinho mais parecia a um passarinho ainda desemplumado. Despreparado que estava para enfrentar a vida ainda no seu começo. Indefeso. Olhinhos cerrados. Pele clarinha como flocos de algodão.
Tentei encontrar alguma parecença comigo. Fora os cabelos lourinhos e encaracolados. A pele branquinha. Acredito ser eu mesmo assim ao nascer anos e anos atrás.
Mas como a vida judia da gente. Os anos passam e ficamos diferentes. Acabamos cultivando sulcos profundos na face. Os cabelos dantes fartos e negros escasseiam e embranquecem. A estatura se encurva ao peso dos anos. As diferenças se acentuam quanto mais a idade se esvai adiante.
Tenho ao meu lado um grande aquário de água doce. Não provei seu sabor. Mas sei que salgada a água não é.
Dentro do meu aquário moram vários peixinhos aquarianos. Não são de outro signo. Embora desconheça em que mês foram nascidos eles são peixinhos aquarianos e não sagitariano como eu.
Há coisa de um mês, talvez dois, percebi novos moradores na minha piscina espelhada. A princípio quase não acreditei. Mas era verdade.
Apurei a vista. Alevinos de fato nasceram no meu aquário. Eram em número que talvez beirasse uns vinte.
Muito parecidos eles se escondiam entre as pedras do fundo. Não conseguia idenficar quem seriam seus pais.
Peixes aquarianos são ovíparos. Não se acasalam como nós nem chocam seus ovos como galinhas.
Há uma semana inteira tenho observado que a quantidade dos meus alevinos tem escasseado.
De novo procurei entre as pedras do fundo. Unzinho ou outro nadava assustado.
Há uma semana o número dos meus peixinhos recém nascidos diminuía a olhos vistos.
Onde eles estariam? Perguntava-me. Seria obra de algum pescador?
No dia de ontem matei a charada.
Agora só restam no meu aquário os pais presumíveis. Os pobrezinhos dos peixinhos recém natos desapareceram por completo.
Uma carpa tinta em branco e preto ficava de olhos grudados nos alevinos. Foi ela quem devorou seus presumíveis filhotes. Um a um ela os engolia vivinhos. Aquele ato insano me fez pensar na maldade.
Mas, pensando nas guerras, na violência urbana. Nos feminicidios que infelizemte têm acontecido a cada dia. Nas mortes sem razão por incidentes banais.
Ao constatar a causa do desaparecimento antes inexplicável dos meus alevinos. Sabedor agora que foram comidos pelos da mesma espécie.
Sinto-me mais confortável em saber nós fazemos muito pior que os peixes.
Peixes de aquário consomem as próprias crias. Pra se alimentarem.
Já a gente mata pelo simples prazer de matar.