Pensando na vida que tenho levado poucas vezes me senti só.
Algumas das vezes foi por opção minha.
Queria me isolar do mundo, pois não me sentia a vontade em permeio da multidão.
Passei a noite numa casa beira lago. Onde, da janela do meu quarto descortinava-se uma paisagem de encher os olhos dada a sua magnificência grandiosa. Apenas e tão somente passarinhos acordavam. E deixavam seus ninhos a procura de alimento para seus filhotes.
O lago ronronava como um gato persa. Parecia que ele me dizia bom dia..
O silêncio apenas era quebrado pelos latidos dos meus amigos cães- Robson e Clo.
Mas, aquele final de semana entregue a solidão pouco durou. Em alguns minutos estava de volta à azáfama da cidade. Lugar onde moro e não pretendo tão cedo me mudar.
Vizinho à minha rocinha reside, solitário, o quase desconhecido Abel.
Dizem, nos arrabaldes, ser ele um ermitão.
Aquele homem, de tintos cabelos brancos, barba nevada como os Alpes suíços, riso contido, de poucos amigos, nunca alguém se atreveu a entrar em sua morada.
Um casarão antigo. Quase em ruínas. Portas e janelas despencando carcomidas por cupins. Assoalho de tábuas corridas que permitem olhar lá embaixo o porão; morada de morcegos e percevejos. Um quarto, onde ele cochila depois do almoço, por ele mesmo preparado. Um cômodo de banhos nos fundos do quintal. Uma cozinha imensa onde um enorme fogão a lenha repousa placidamente no centro. Onde ele requenta a comida feita a hora do almoço. Outro quarto escuro reservado as visitas que nunca aparecem. E quando vêm logo são convidadas a se retirar.
Esse é o modus vivendis do não tão velho Abel. Que pelas minhas contas não deve ter mais de sessenta. Embora aparente mais.
Dizem, não sei ao certo, que ele já fez de tudo um pouco. Alguns contam que ele tem a inteligência de um sábio. Estudou mais que todos na região. Tem diplomas pregados nas paredes como se fossem quadros de algum Picasso em exposição nalgum museu expostos ao olhares dos visitantes que olham admirados aquela arte notável de tanta proficiência nos estudos.
Abel, segundo dizem as línguas ferinas, que ele tem no seu currículo de vida algumas passagens sombrias.
Uma de suas mulheres foi encontrada sem vida em circunstâncias misteriosas. Até hoje ignora-se o que foi que a matou.
Abel vive só.
Nas raras vezes em que ele é visto na cidade, apenas para fazer compras, ele caminha solitário.
Paga em espécie tudo que consome. Não tem conta no banco nem cheque.
Murmuram, por ai é por aqui, que esse homem solitário tem um passado nebuloso.
Mas ninguém sabe ao certo de onde ele veio. Pois Abel não se abre. Não se comprova a sua verdadeira identidade.
Foram-se meses. Ventaram anos.
Abel anda sumido. Não é visto desde meses inteiros.
Aquele velho casarão mantém portas e janelas fechadas.
Ele tinha o costume de ficar assentado a uma grande pedra na soleira da porta.
Há meses não ficava ali.
Foi quando um vizinho abelhudo, desconfiado do seu paradeiro. Mais preocupado em saber notícias do que propriamente com a saúde do vizinho.
Forçou o ferrolho da porta de entrada. Do lado de dentro um odor nauseando empestou-lhe as narinas. Foi quando chamou a policia.
Abel jazia morto no seu leito de morte. Morreu, segundo o laudo cadavérico, há um mês. Seu corpo inerme, já carcomido pelos germes, implorava um sepultamento premente.
Abel morreu durante a noite. Desconhecia-se se ele sofria de alguma enfermidade. Pois não se tinha relato de alguma visita a uma unidade de saúde na cidade.
Foi quando um doutor deixou escrito no seu atestado de óbito.
“Causa desconhecida. Nada consta em seu coração. Seus rins funcionavam a contento. Seus pulmões respiravam melhor ainda. Nada a declarar sobre seu cérebro irrequieto. Ao que tudo indica, como não se tem nenhum indicio do que o tenha levado ao óbito. A causa mortis deve ter sido solidão”.
A mim aquele laudo me soou estranho. Será que solidão mata?
Em certos momentos incertos melhor viver cercado de amigos. Mas, se por ventura desconfiar que sejam amigos de verdade. Melhor se isolar na solidão.