Como se fosse possível

Há dias recebi uma mensagem que dizia: “as escolhas já foram feitas. Esqueça-me. Seja feliz”.

Na hora pensei. Que seja feliz tentarei. Se pudesse escolher de novo já pensei nessa possibilidade. Se errei me penitencio. Já que fiz minha opção não posso retroceder. Como também não consigo deixar de pensar no passado. Naqueles anos em que vivemos tentando nos reencontrarmos. Eu mais jovem. E aquela menina linda que agora tem a cuidar de filhos e netos.

Quando recebi aquela mensagem pelo meu celular pensei em tudo. Nos anos que se foram. No amor que nos uniu. Nos abraços que estreitamos. Nos beijos que uniram nossos lábios sedentos de amor.

E quanto a essa recomendação que eu esqueça tudo que passou. Como se fosse possível olvidar um grande amor. Infelizmente não me sinto capaz de soterrar lembranças. Como aquelas da minha doce infância. Brincando de pique esconde com meus amiguinhos daquela rua que daqui se avista pelos fundos. Onde aprendi que amor de pais não se troca por nenhum tipo. Trata-se de um amor diferente. Que indiferentemente do que se sente por uma mulher não sucumbe aos anos. Apenas cresce como uma árvore gigantesca que anos atrás era apenas uma mudinha miudinha. Que bem cuidada se transformou numa gigante da floresta.

Ao receber aquela missiva pela internet pensei ser impossível esquecer tudo que vivemos juntos. O primeiro beijo que trocamos às escondidas no banco do jardim. Os abraços que nos fizeram quase perder o juízo. Os amassos na poltrona da sala de visitas que foram interrompidos pela chegada inoportuna dos seus pais. Ah se eles não chegassem há tempo não sei que seria de nós. Dois namoradinhos em primeira viagem. Que quase nada sabíamos das consequências desastrosas de sexo desprotegido. Dos filhos que poderiam vir. Sem que ainda estivéssemos preparados para a paternidade.

Como seria possível me esquecer dos verdes anos de minha vida. Quando fui aprovado no vestibular. E na festa que fizeram pra mim ao recebe o canudo. Mal sabia eu das dificuldades inicias que a carreira de médico me esperavam. Dos insucessos profissionais imprevisíveis.

Da alegria de ter nos braços o primeiro filho. Mais ainda o dia quando nasceu meu primeiro neto. Como se fosse possível esquecer tudo aquilo.

Já hoje, embora não me sinta envelhecido, velho não, idoso talvez. Jamais me esqueço de fatos pretéritos. Espero conservar minha lucidez enquanto vivo.

Já que pretendo, sem muita pretensão, viver muitos anos mais. Desde possa viver em atividade plena. Se me tolherem de andar pelas próprias pernas não quero mais continuar vivo.

Um dia me pediram para esquecer.

Eu não respondi de imediato. Pensei antes de dar a resposta por escrito.

Não esqueço jamais. Se minha memória claudicar irei recorrer aos meus livros.

Alguém disse que sou um memorialista. Que tenho a memória afiada como lâmina de um machado que não perde o fio.

E eu confio nos meus guardados. Aqui dentro do meu baú de guardados. E não me esqueço de onde guardei a chave.

Um dia me pediram para esquecer daqueles bons tempos.

Como se fosse exequível me esquecer de tudo aquilo que passamos juntos. Impossível. Responderia eu.

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