Finado Chico Bento

Reverenciar os mortos sempre foi de seu costume.

A cada dois de novembro ele comparecia ao campo santo.

Levando flores. Lágrimas. Saudades.

Aquele dia de novembro não seria diferente.

Chico deixava sua rocinha, depois da primeira ordenha do dia. Pegava carona no caminhão leiteiro. Entre latões de leites sacolejantes. Era o primeiro a entrar no cemitério. A procura do túmulo de seus pais amados.

O pai, Seu Romualdo, havia partido ao infinito um mês antes de agora.

Sua mãezinha amada um ano se passou com a velocidade de uma ventania que levanta papéis deixando atordoados a todos que olham o vento assustado com seus tentáculos que não se deixam  ver.

Chico, naquele dois de novembro, feriado, passou horas vazias a orar no túmulo de seus pais amados. Ali deixou sobre o tampo de mármore quente dois vasos de crisântemos amarelos.

E deixou o campo santo chorando de saudades.

Naquele verão quente, se bem que ainda era primavera, Chico Bento contava com apenas cinquenta anos. Foram anos bem vividos.

Cresceu empunhando o cabo da enxada. Não renegava serviço. Tanto ordenhava as vacas como enchia os cochos de silagem de milho. Era ele quem apartava os bezerrinhos de suas mães vacas. Desde cedo Chiquinho não tinha tempo pra nada.

Por ter perdidos os pais a ele restou todas as tarefas da roça. Não tinha ajudantes. Era ele e só.

No dia quando seus pais morreram. Contava no dia de hoje um ano e mais alguns meses, Chico Bento levou a cidade os dois caixões na velha carroça puxada pela velha mula branca.

Acompanharam o cortejo fúnebre seus dois cães, de nome Robson e Clo.

Até hoje Chico não se esquece daquele fatídico dia. E como ele chorava sozinho.

Chico não tinha parentes vivos. Todos que se lembrava haviam falecido anos antes.

Naquele dia de finados só lhe restavam lembranças. Todas elas fugidias e quase apagadas de sua memória gasta.

Ao voltar do campo santo as saudades mais uma vez crepitavam como chamas de uma fogueira recém apagada.

Chico nem dormiu naquela noite. Fazia um calor infernal.

No dia seguinte mal acordou. Passou a noite em claro embora fosse uma noite escura.

Sonhou que a morte veio lhe buscar.

Era um dia depois do finados.

Lá fora relampejava. Despencou uma chuvarada e raios riscavam o céu.

Chico deixou sua casa debaixo de uma aguaceira. Uma enxurrada levava tudo de roldão.

Dias depois encontraram o que restou do Chico soterrado num mar de lama.

Aquele foi seu último dia de finados.

Em visita ao campo santo vi um amontoado de pessoas, velhas conhecidas vizinhas de minha roça, orando sobre o túmulo do falecido Chico.

Ele foi enterrado junto às pessoas que mais amava.

Até hoje me contam a história do amigo Chico. Ele faleceu no dia de finados. Sem a quem prantear. A não ser a ele mesmo.

Nesse dia dois de novembro, em visita ao cemitério, passei pelo túmulo do amigo Chico.

Pensei tê-lo visto sorrindo pra mim. Mas não era ele. E sim meus queridos pais desejando-me vida longa. E que eu seja feliz enquanto minha vida durar.

Agora meu amigo Chico descansa em paz. Num lugar pra onde iremos. Quando a morte vier nos buscar.

 

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