Já fui? Não. Ainda sou…

Quem ainda não foi surpreendido com essas palavras, à queima roupa, se não, não viveu.

Não acumulou anos nos costados e não envelheceu.

Nós todos já fomos muitas coisas.

Crianças, jovens, adultos, idosos.

E colecionamos distintas profissões em nossa vida inteira.

Muitos apenas viram a vida passar em brancas nuvens ou tintas em cinza.

Esses tiveram a ventura de nascer em famílias de posses. E não precisaram trabalhar.

Já outros seguiram a carreira dos pais ou dos avós.

Médicos, engenheiros, profissionais togados, causídicos também chamados advogados, fazendeiros endinheirados. Gente que milita na terra sem serem militares fardados.

E assim caminha a humanidade. Cada um seguindo sua vocação. Embora muitos de nós nos enveredamos pelo caminho errado e nos arrependemos tarde demais. Mas nunca é tarde para corrigir nosso senão. Pois cometer um logro uma vez é aceitável. Duas é imperdoável. E a terceira é passível de punição.

Quem ainda, em certo ponto da sua existência, depois de anos após anos de exercício da profissão, seja ela qualquer, já jubilado, não escutou essa mesma interrogação: “você já foi o quê”?

Como se a gente, depois de mourejar do sol ao despontar da lua, não mais fôssemos capazes de fazer tudo aquilo que fazíamos dantes.  Melhor ainda, diria.

Pois acho eu, que mesmo ao raiar do dia, se somos médicos titulados, nosso certificado que nos habilita a exercer com a mesma maestria de antes nossa meritória arte de curar, ou até mesmo atenuar dores e dissabores. Não devemos responder àquela pergunta indigesta – “o que você já foi”; pois ainda somos. E somente deixaremos de ser depois da morte.

Ontem, dezoito de outubro, celebrou-se o dia do médico.

Profissionais apadrinhados por um santo de nome Lucas. Santo esse que além de nosso padrinho ainda o é dos artistas.

Já deixei escrito que essa data não mais é motivo de tantas celebrações cujos motivos a mídia bem sabe exaltar.

Ontem mesmo uma pessoa querida me disse.

“Meu querido doutor. O senhor já foi um grande médico”.

Naquele momento me deu vontade de saber a razão de tal admoestação impertinente. Por que já fui? Se ainda me considero ser.

A resposta foi pensada depois.

Médicos, como outros profissionais, só são lembrados quando ainda na ativa. Uma vez aposentados não passam de cartas fora do baralho. Trates velhos sem utilidade.

E se esquecem de nossos serviços prestados. Das noites insones que passamos em claro.

Ainda sou médico. Não temos direito de nos aposentarmos graças aos nossos baixos rendimentos.

Conquanto um juiz de direito se aposenta com um quantia média de 32 mil por mês o médico recebe de aposentadoria a bagatela de míseros 7507 reais sobre o teto máximo do INSS. Isso depois de sessenta e cinco anos bem vividos. Podem dizer que nós podemos acumular mais de uma aposentadoria. Mas quem diz que uma merreca de dez mil pode ser suficiente para pagar nosso plano de saúde e as despesas pertinentes ao nosso dia a dia?

Quando aquela pessoa querida me disse que já fui. Eu a ela deveria responder que ainda sou.

Mesmo com as chuteiras dependuradas ainda pretendo correr pelos gramados da medicina. Sou ainda capaz de fazer tudo aquilo que fazia dantes. Ainda melhor, pois aprendi a ouvir os reclames dos meus pacientes. E não tenho mais a intempestividade de quando jovem esculápio. Atendendo em massa. Desdobrando-me entre três ou mais unidades de saúde. Tendo de operar em alguns hospitais, pois era o único e pioneiro em nossa amada Lavras.

Se me perguntarem o que fui não tenho dúvidas em responder que ainda sou. Enquanto o sopro da vida assoprar em mim nunca deixarei de ser médico.

A nós não nos cabe o direito da aposentadoria. Enquanto confiarem em mim, aqui, na minha oficina de trabalho, estarei pronto a recebê-los.

 

Deixe uma resposta