Amores existem em várias intensidades. Forte demais. Em extinção. Em formação.
Amor ao quadrado quando se ama a dois. Amor florescente como as flores do ipê. Pena que ele dura pouco e logo cai ao chão. Amor em combustão que se incendeia pleno de paixão. Amor em quantidade que se doa por inteiro aos necessitados. Amor desvairado que faz loucuras para ficar ao seu lado.
Amores existem aos montes. Quem ainda não amou de verdade não viveu. Não sentiu cá dentro um batimento forte descompassado. A um simples troca de olhares. A um aperto de mãos.
Amor não deve ser confundido a paixão. Que se desmancha ao passar dos anos. Quando só de pensar naquela a qual julgava amar lhe dá arrepios. Mas, uma vez o tempo passarinha, aquele corpo que lhe inspira desejo perde as formas. O lindo traseiro empinado despenca pra baixo. As pernas bonitas perdem a forma. A face se torna enrugada como um maracujá bem maduro. O sexo não mais acontece daquele jeito que lhe apetece. A cama não mais o inspira a um cruzar de pernas. E o sono vem sem ao menos um beijinho de boa noite. E o acordar acontece sem ao menos um bom dia amor.
Aquilo sim é que deveria ser chamado amor.
Conheço aquele casal desde tempos remotos.
Ela agora conta com muitos anos. Ele bem mais.
Eles se conheceram ainda na adolescência. Ela contava com quinze e ele com mais de vinte.
Não vou dizer que foi amor à primeira vista. Ela, menina bonita, de olhos verdes da cor do mar antes das ondas se quebrarem na praia. Ele moreno trigueiro de fartos cabelos negros.
À princípio aquela relação parecia não durar por tanto tempo. Mas persistiu por anos a fio. Um era a sombra do outro. O primeiro era a continuação do segundo.
Mas ninguém resiste a passagem do tempo.
Eles envelheceram. Chegaram a idade que conta nos dias de hoje em plena saúde.
Mas quem resiste incólume a passagem dos anos?
Aos mais de setenta as enfermidades passaram a fazer parte dos seus anos.
Ele adoeceu primeiro. Não tendo quem cuidasse dele era ela quem se desdobrava ao lado de seu leito.
Ela era a enfermeira e a cuidadora de seu amado amor. A renda do casal era pouca. Não tiveram filhos quem os amparasse na velhice. Eram apenas os dois. Um pelo outro.
Quando os conheci ainda lhes sobrava amor. Quem os visse andando juntos jamais imaginaria o fim que a eles estava reservado.
Ele, jogado a um leito de hospital, internado desde há meses, era ela quem ficava junto. Sem poder trabalhar não o deixava um minuto sequer. De mãos dadas. Olhares se entrecruzavam apaixonadamente.
Naquela manhã quente de outubro ele partiu. Ela sempre junto. Foi ela quem lhe fechou os olhos. E não se desgrudava do amor de sua vida mesmo durante o sepultamento.
Se me perguntarem o que é o amor cito o exemplo daquele casal.
Ele se foi aos mais de oitenta. Ela continuou a viver por mais dez.
Ontem fui ao velório dela.
Ela foi ao encontro do seu amado e moram juntos no céu. De onde nunca irão se separar.
Quando me perguntarem qual o significado exato do amor diria- perguntem a eles dois.
Amor de verdade tem cara do companheirismo. De compromisso. De permanecer ao lado da amada nos bons e maus momentos. E não deixá-la sozinha quando ela mais precisar. Resistindo as tentações que a vida nos oferece.
Amar e ser amado é preciso. Mas nem sempre isso acontece.
Se me perguntarem o que seja amor de verdade respondo olhando pro alto. Meus pais me amaram verdadeiramente. Outro tipo de amor. Um tipo de amor que persiste para sempre. Mesmo que a morte nos separe.