O dia quando a Felicidade entristeceu

De altos e baixos a nossa vida se compõe.

Ora acordamos em acordão com a felicidade. Alegres e bem dispostos.

Noutros a angústia nos domina. Melhor nem sair da cama nestes dias acinzentados. Como o de hoje amanheceu.

Me confesso ser refém de dias ensolarados. Quando olho pra cima e o céu se tinge de escuro minhalma escurece imediatamente. Parece que o clarume do sol tem efeito miraculoso que faz alegrar meu cerne. A turbidez das manhãs cinzentas acinzenta-me por dentro.

Dizer que sempre me encontro feliz é me contradizer totalmente. A melancolia faz parte intrínseca de um dos meus lados. Como todo poeta as poesias tem um que de tristeza.

Lá em cima está escrito, não nas estrelas, que a tal felicidade de vez em quando pode entristecer. Isso carece de uma explicação.

Há tempos idos, creio há quase dois anos, trouxe pro meu pedaço de chão uma linda égua pampa já embarrigada de um lindo cavalo negro como a noite.

Dei-lhe o nome de Felicidade.

Ela é linda como uma linda mulher em vias de dar à luz a escuridão do dia.

Paguei um preço mais alto que ela em verdade valia. Confiando na cria que ela um dia me daria de presente.

Sonhava em ter ao lado da Felicidade um lindo potrilho igualzinho a mãe. Tinto em duas cores- como o pai preto e como a sua mãe bicolor em branco e amarronzado.

Aguardava impacientemente o dia do nascimento. Contados onze meses me disseram ser a data provável do parto o último sábado que deixou rastros de tristeza e desilusão.

Ao apear na minha casa beira lago deparei-me com meu amigo Tom Zé embasbacado. Engasgado em me dar uma notícia nada alvissareira.

“Doutor Paulo. Até agora choro de tristeza. A sua linda égua Felicidade pariu a noite passada e parece ter perdido a cria. Procurei o filhotinho por todas bandas e não o encontrei. Tudo indica que ele se afogou na represa”.

Na hora pensei em voltar à cidade. Foi custoso me controlar. Soltei meus dois amiguinhos do seu canil- Clo e Robson, e nos pusemos a caminhar sem destino.

Parece que os dois sabiam do acontecido. Clo me olhava com aqueles dois olhinhos verdes, de onde saiam lágrimas, e parece que me dizia: “meu querido amigo. Não fique triste. Ouvi, durante a noite, a égua Felicidade relinchar de tristeza a perda de seu filhote. Tentei consolá-la fazendo silêncio dos meus latidos. Mas ela sofria desconsolada beirando as águas do grande lago”.

Depois da breve caminhada pela estrada afora voltamos pelo mesmo caminho.

Deixei meus dois cãezinhos se banharem na represa. Eles, como eu, estavam inconsoláveis pela morte tão prematura do potrinho que nem conheceu a mãe.

Antes de voltar à minha Lavras ainda pude constatar o sofrimento da minha querida égua Felicidade.

Não tenho dúvidas que os animais sofrem como nós.

Naquele sábado ensolarado percebi, no andar cadenciado da minha égua Felicidade, que a tristeza a tomava por inteiro.

Ela, e seus companheiros equinos, os três juntos, galopavam  à beira do lago tentando encontrar a cria desgarrada.

Acredito que só irão encontrá-lo nos céus.

Naquele sábado tristonho foi quando vi a Felicidade ir embora de saudade.

 

 

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