Ontem, de noite, choveu um pouquinho.
Uma chuvica de nada que nem deu conta de apagar a poeira.
E como tem feito calor nesse começo de primavera.
A chuva anda faltosa como eu era nos tempos da escola.
Mas ela vem. A qualquer hora. No mais tardar nesse final de semana ela chega.
Oxalá ela apareça sem causar maiores estragos. Que venha de mansinho. Com aqueles pinguinhos doces. Embora nunca tenha provado o sabor dos pingos da chuva. Mas eles devem ser adocicados como o beijo de nossa mãezinha quando ela nos acudia após um tombo. Na intenção de desfazer aquele galo na testa. Que logo desinchava. E em seu lugar ficava um roxo como se fosse uma tatuagem de hena que desaparece à primeira lavada.
Ao ver sinais de chuva hoje cedo na porta de casa pensei sobre qual tema escrever.
Logo me veio a lembrança a força de uma ventania. Que leva papeizinhos com ela. Levando-os pra longe de mim. Como nos tempos idos quando euzinho menino soltava pipas ao vento. E aqueles lindos pássaros voadores, com asas de papel colorido, empinados por linhas de barbante fininhos, avoavam e se engastalhavam nos fios de luz. E meu pai tentava, debalde, retirar a tal pipa com uma vara de bambu. Temeroso que eu criança levasse um choque. Só que essa tentativa malograda só acontecia na minha imaginação já fértil como a terra adubada da minha roça.
Tentar parar o vento não se pode impedir como conter um abraço apertado entre dois enamorados. Ele acontece. Independente de querermos ou não.
Tentar sufocar um amor. Já que ele é forte o bastante. Da mesma maneira não se deve impedir. Deixa o tal sentimento explodir. Aqui dentro. De nosso peito. Atingindo nosso órgão pulsátil. Como se uma bala certeira atingisse nosso âmago. Nosso cerne. Que se fragmenta em pedacinhos minúsculos. Invisíveis a olhos nus.
Assim como tentar amenizar uma dor maior. Causada por uma perda irreparável. Melhor deixá-lo sofrer. Pois tenho por mim que a dor é inevitável. Conquanto o sofrimento seja opcional.
Tentar por freios num corcel em pleno galope pode ser exequível. Melhor que seja um bridão. Já que esse garanhão ainda não está manso o bastante para montá-lo. Tenho por mim que seja mais fácil esperar um tempo. Que se conta em meses, anos, até que a tempestade serene.
Hoje cedo percebi que a chuva esteve prestes a cair. E nem tentei conversar com ela. Tentar refrear o ímpeto da chuva é como tentar enxugar gelo. Ele vai derreter certamente.
Dias atrás ventava sofregamente. De nada adianta tentar apagar o ímpeto da ventania. Ela por certo ira levar papeizinhos pra longe. Como a minha pipa era levada pra longe pertinho das nuvens cinzentas.
Tentar impedir que o tempo passe não é possível. Ele escorre como águas levadas pela enxurrada. E, quando menos se espera a idade chega. Os anos nos tingem de branco os cabelos. O andar tropeça. Os passos se tornam trôpegos.
De nada adianta tentar amenizar o cansaço. O ar escasseia. A pulsação acelera.
Tentar parar o tempo não sou capaz. Ontem contava com vinte anos. Trasanteontem com menos de dez. Agora dobrei os setenta.
Agora faz sol. A madrugada se fez dia. A noite foi deixada pra trás. Logo mais um dia se despede. A noite escurece.
Pra que tentar mudar o curso da vida? Ela é assim. Desde que a vida nasceu.
Hoje, nesse amanhecer de mais um dia, não vou tentar mudar nem velocidade do tempo. Simplesmente vou acompanhar de perto seu desenrolar. Os dias se transformarem em noites e essas em novos dias.
Tentar mudar alguma coisa? Pra quê? Se eu não consigo mudar nem a mim mesmo?