Hoje nada nos resta

A partir de certa idade, uma vez os anos passam, não se deve contar os anos. E sim as  horas, minutos e segundos.

Pois, no meu entendimento, a gente acaba desconhecendo os anos que nos restam.

Melhor assim. Penso eu.

Meu pai viveu até os setenta e sete.

Já eu, seu filho mais longevo, conto com exatos setenta e três.

Fazendo as contas, setenta e sete menos três, perfazem quatro. Certo?

Se for desse jeito assoprarei velinhas por mais quatro aninhos apenas. Poucos, em se contando o meu desejo de ultrapassar o centenário.

Melhor viver o dia de hoje e não pensar noutros amanhãs. Eles são incertos.

E bem mais gostoso viver na incertidude que pensar no dia seguinte. Saber que hoje é terça feira me basta.

Hoje, como de costume., nesse calorão que bafeja lá fora, sem sequer indicio de chuva, a cama me cuspiu antes das cinco da manhã.

Levantei pé ante pé para não molestar minha companheira que ainda ressonava ao meu lado.

Tomei uma ducha morna na intenção de amenizar o calor.

Foi quando me assaltou as ideias o título a dar neste texto de hoje.

Voltei as lembranças ao passado. Eu menino. Aos cinco anos.

Foi quando me mudei para aquela rua que daqui se deixa ver a distância modesta.

Ela agora está radicalmente transformada.

Nada mais resta dos vizinhos de antanho.

Cadê os meninos da Costa Pereira? Os filhos da Dona Ester que vivia numa casa rebaixada. Onde agora se situa um imponente prédio baixo. Deles restam poucos.

Pra onde foram meus amiguinhos que pegavam nossas bolinhas de tênis? Eles por certo já se transformaram em anciãos como eu. E muitos já partiram rumo ao infinito.

De novo me indago. Já que sou refém da saudade que se transformou em lembranças dos tempos idos.

Hoje nada mais resta senão lembranças do meu passado. Aquela mesma casa já não existe. A de baixo, do meu tio Chico, da mesma maneira já se tornou um lote vazio. As duas casas esperam a hora de ali erguerem mais um edifício. Pena que tudo muda. Como a gente se transmuda ao sabor dos anos.

Hoje, naquela rua, quase nada mais resta. A não ser o velho hospital. O mesmo clube de onde tiraram o trampolim. As quadras de tênis são as mesmas onde jogava com meu saudoso pai.

De vez em quando tento pensar em voltar a jogar. Mas as lembranças das partidas em dupla em jogos aguerridos não são as mesmas. Do outro lado da quadra não tenho mais meu pai.

Hoje quase nada mais resta dos meus cabelos castanhos. Em seu lugar posso ver no espelho uma calva luzidia que não carece de pentear.

Hoje não sobrou quase nada de meus colegas do jardim da infância Narizinho Arrebitado. A maior parte deles já não vive mais.

Pra onde foram meus vinte anos? Os trinta se despediram faz um tempão. O que dizer dos menos de dez?

Pensando no hoje, no agora, nos anos que me restam, quase nada mais sobra daqueles tempos de outrora.

Deles me despeço nesta hora. Nesta manhã quente. Desse vinte e seis de setembro.

Hoje nada mais me resta senão continuar nessa viagem sem volta. Mesmo desejando voltar ao passado. Sigo em frente.

Até quando? Não sei…

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