Não me importa

Antes, ainda jovem, fazia caso de tudo.

Quando alguma coisa me contrariava ficava zangado. De mal com todo mundo.

O tempo foi passeando. A idade mudando.

E eu me transformando naquilo que hoje sou.

Na idade adulta ainda me importava com muita coisa que não saía do jeitinho que gostaria.

Uma vez já médico feito. Quando aqui cheguei vindo de terras dalém mar. Precisamente da Espanha. Com a mala cheia de vontade de acrescentar novidades na minha especialidade Urologia. Fui o pioneiro na cirurgia de próstata sem abrir o abdome. Quando, por muitas vezes, a sonda entupia durante as madrugadas. E as prestimosas enfermeiras me chamavam ao telefone. Voltava ao hospital de cara amarrada. Provocando temor naqueles anjos cujas asas eram frequentemente quebradas. Que passavam noites sem dormir. Zelando pelos enfermos sem receberem o pago que deveriam pelo seu trabalho de real valor como o nosso de médicos.

Naqueles tempos fecundos eu deveras me importava em amealhar conhecimentos frequentando congressos de minha especialidade. Não perdia um só.

Quantas vezes  fazia viagens aos países do outro hemisfério mais ao norte. Perdi a conta de quantos foram.

E de fato me importava em aprender mais e mais.

Ainda tenho a fome não saciada em aprender muitas coisas. Só que me aquietei.

Contento-me com menos aprendizado. Embora ainda não aposentado por completo a urologia me seduz. Não tanto quanto a literatura ou ajuntar palavras. E como elas me soam bem como música aos meus ouvidos. É como se  um rouxinol entoasse lindos cantos. Como se um bem-te-vi cantasse numa árvore próxima. Ou um canarinho da terra ciscasse o esterco do curral.

Hoje não me importo mais com tantas coisas.

Pra mim tanto faz como se desfez com o juízo que fazem de mim.

O que conta é a procura continua da tal felicidade. Com a alegria de estar vivo em plena saúde.

Não me importa mais  em aumentar meus ganhos. Eles são mais que suficientes para viver em paz.

Em absoluto pra mim não conta trabalhar mais que o necessário. Já dei de mim o meu melhor.

Não preciso ajuntar pacientes. Os que ainda me procuram me satisfazem.

Não me preocupo em viver para sempre. Não que tenha vivido o bastante. Mas, se a saúde me permitir que ultrapasse os cem.

Não me importa se me julgarem leviano. A única leviandade que podem me atirar às costas é dizerem que escrevo demais.

Já me importei com muitas coisas e loisas.

Já hoje, o que me importa, é viver com saúde, ao lado de minha família. Distribuindo palavras. Tentando incutir cultura nas mentes obscuras daqueles que não tem o costume de ler.

Não me importo mais se falam de mim pelas costas. Mas prefiro que estes boquirrotos continuem falando. Bem ou mal. Não me importa.

 

 

Deixe uma resposta