São tantas lembranças que me assediam. Tantos momentos que desaparecem a cada instante.
Que nem me dou conta de quantos são.
Sempre que acordo, bem cedo, ao olhar pela janela da minha oficina de trabalho, onde me sinto como se estivesse no meu refúgio. A salvo da azáfama da cidade. Do burburinho que lá de baixo mal se deixa ouvir. Não consigo me esquecer da minha infância passada naquela rua. Agora bastante modificada. E quantos amigos ali deixados lá não moram mais.
Hoje, neste ano que passa veloz como um raio. Entramos em setembro que logo deixa espaço para outubro. Em alguns dias entra a primavera. As flores dos ipês quase se despedem. Pena que a chuva por aqui ainda não chegou de mansinho. Acarinhando a terra ressequida. Que tanto precisa do seu chorinho que traz em seu bojo o carinho da terra molhada. Onde se pode plantar. Pra depois colher. E graças ao homem do campo, verdadeiros heróis pouco reconhecidos, podemos ter o alimento que nos dá sustento.
E nunca deixarei de reconhecer o seu valor.
Não me esqueço. Nestes anos todos de vida. Os pais que me presentearam com ela. Quando ainda os tinha ao meu lado. Os ensinamentos que eles me deixaram como legado. O amor que eles dois tinham por mim. E eu compartilhava todo o carinho a cada instante vivido naquela casa hoje reduzida a um lote vazio.
Dizem a mim que seria melhor esquecer o passado. Viver imerso no presente. Sem prever o futuro.
Mas não consigo. Como não me esqueço jamais os natais passados. Aquele pinheirinho colhido num terreno baldio. O qual minha querida mãezinha enfeitou com bolinhas coloridas. E trazia uma estrelinha no ponto mais alto.
E nós, meninos ainda, acordávamos de um sono mal dormido, nem bem o dia clareando, ávidos por desembrulhar os pacotes. Alguns a nós endereçados. Outros sem saber a quem seriam dados.
Ainda cria no Bom Velhinho. Mas já desconfiando que sua barba branca era falsa. Sua barriga enorme era puro adereço. Pois aquele corpanzil gigante jamais iria passar por uma chaminé que nem existia.
Melhor esquecer aquela meninazinha por quem sonhávamos tanto. Pois ela já deve ser avó. Não dos meus netinhos e sim de seus próprios.
Melhor deixar no esquecimento aquele cãozinho valente. Que em defesa nossa perdeu a vida tentando nos defender de um canzarrão bocudo que quase nos mordeu naquela tarde quase noite.
Penso ser melhor não me lembrar do desalento de nosso querido pai quando trazíamos da escola aquele boletim cheio de notas vermelhas. E, quando tentamos escondê-lo na nossa mochila fomos pilhados em fragrante em nosso ato falho. E, ruborizados prometemos não mais incorrer no erro e estudar ainda mais.
Melhor esquecer aquela linda mocinha pela qual perdemos a aula de inglês. Pois ela dominava o francês. E ela nem sequer sabia de nosso chamego por ela. Indiferente aos nossos olhares de gula quando postados perante aquela linda figura de mulher. Mal sabia ela o quanto cobiçávamos aquelas lindas pernas e aquele traseiro empinado.
Melhor olvidar nacos do meu passado. Pena que não consigo.
Pois, a cada manhã, quando aqui chego. E olho pela janela aquela mesma rua. Meus olhos não se desgrudam de tudo aquilo. Essas indeléveis lembranças que tanto me assediam.
Se pudesse, quiçá não desejaria…