Hoje me dou por satisfeito

Não que eu tenha conseguido tudo que sonhei na vida.

Mas o que consegui me satisfaz.

Nestes meus mais de setenta anos. Entrando nos quatro.

Ainda sonho. De olhos abertos ressono.

No dia de ontem um simpático telefonista ao meu celular ligava incontáveis vezes.

Era o representante de uma tal de Doctoralia. Um site, um portal, cuja intenção era me colocar naquela lista de médicos especialistas. A fim de divulgar meu nome entre os clientes. Na intenção agendar consultas com mais presteza. A preços mais convenientes.

Depois de muita insistência respondi que não me interessava. Não que tenha perdido o desejo ainda enraizado dentro do meu eu pela medicina. Mas, no presente momento me dou por satisfeito continuar assim.  Atendendo a hora que quero. Retratando o cotidiano com as cores que me atraem. Acordando ao nascer do sol. Deixando minha oficina de trabalho, meu refúgio, lá pelas dez. Retornando aqui mesmo antes que meu relógio assinale treze horas. E saindo lá pelas quinze.

Me dou por contente nessa forma de viver. Não tenho pretensão de viver para sempre. Mas a hora que for marcada para me despedir da vida desejo que não seja breve. Pretendo viver mais alguns anos. Quantos, não sei , melhor ignorar.

Alguém pode dizer que já trabalhei o suficiente. Passaram-se quase cinquenta anos de graduado. Muitos colegas já exercem a medicina no céu. Não tenho a conta de quantos são. E não sei quando estarei entre eles.

Hoje, nesse lindo setembro ensolarado. Nesse dia lindo que me acordou. Aqui estou novamente. E me dou por satisfeito pela noite mal dormida. Pra que dormir mais que cinco horas? É um desperdício de tempo. Não tenho pela noite em alta estima. O brilho do sol me seduz. A azulice do céu me faz pensar pra onde iremos no mais tardar de agora há alguns anos mais.

Me dou por feliz com muito pouco. Quase nada.

Me basta um computador. A inspiração não pode faltar. A atividade física corrobora com meu desejo de continuar. Andar, me apraz.

Hoje me contento com quase nada. Viver simplesmente me satisfaz. Desde que a saúde não me abandone. Enquanto puder respirar. Sonhar. Editar livros. Já são mais de vinte. Me deixem por aqui.

Hoje as ambições foram freadas. Já consegui um patrimônio mais que suficiente para viver confortavelmente. Pra quê mais?

Se me perguntarem o que mais desejo a resposta é simplesmente esta: viver e conviver com pessoas felizes. Tentar minorar o sofrimento de algumas. Brincar com meus queridos netinhos. Fazer de conta que ainda sou menino. Aquele menininho sapeca que vejo entre galinhas jogando grãos de milho para elas. Quase perdi minha fimose pois estava peladinho naquela tarde em Boa Esperança.

Penso, aos quase setenta e quatro anos, já ter conseguido tudo que desejei nestes anos todos.

O que me falta? Quase nada.

Que viva mais alguns anos. Ao lado de meus filhos. Dos meus netos. E de amigos que conquistei.

Me dou por satisfeito por estar aqui. Tentando dizer o quanto viver me faz bem. Escrever mais ainda.

No dia em que a saúde me faltar. Em que deixar de sonhar. Por favor. Aí sim.

Me dou por satisfeito se me levarem para outro lugar. Que seja o céu onde me encontrarei com meus pais.

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