A certeza da morte ainda me apoquenta.
Ela vem quando menos se espera.
Numa idade qualquer. Na melhor fase de nossa vida. Ainda jovem sonhando com o porvir.
E mais comum na idade considerada velha. O fim nos espera.
Eu já escolhi a data do meu passamento: ela vai cair numa tarde ensolarada de um trinta e um de fevereiro. Num ano bissexto. Como se fosse possível eleger tal efeméride.
Pra muitos a morte vem inesperadamente. Pra outros o fim é apenas o começo.
Se existe vida após essa. Ainda ignoro. A outra vida deve ser nalgum lugar especial.
Lá no alto. Entre nuvens cinzentas. Na azulice do céu. Num céu magnífico tal e qual posso ver da minha janela nesse começo de setembro.
“Morrer pra quê”?
Um dia me interrogou um compadre já alquebrado pelos anos.
Seu nome é Zito. Pela conta de sua idade longeva ele teria quase um centenário. Mas não parecia tanto.
Com a face sem rugas. Uma cabeleira negra ainda descolorida do brancume dos anos. Um sorriso sempre aberto embora lhe faltasse metade dos dentes de cima.
Sô Zito, como era conhecido naquelas paragens, era uma pessoinha linda por dentro e por fora.
Mais por dentro já que o por fora era bastante gasto pelos anos.
Acostumado à lida da enxada. Colecionava calos nas mãos e brotoejas na bochecha rosada.
Seus pés mais pareciam uma lixa dessas de raspar tacos já gastos a espera de serem trocados.
E sua aparência em nada parecia aquela de um sujeito cansado dessa vida que tanto judia com indivíduos queixosos do seu viver.
Sô Zito já fez de tudo nestes seus quase cem anos.
Foi capataz de uma grande fazenda onde bois desapareciam na invernada.
Aos sessenta, já aposentado, enveredou-se num pequeno palmo de chão onde até hoje mora.
Ali vive sua felicidade que se demonstra sempre naquele sorrisão pura simpatia. Nunca o vi acabrunhado. Nem quando sua amada Maria subiu aos céus.
“Já estava na hora”. Dizia ele.
Dona Maria foi seu único amor. Depois dela nenhuma mulher tentou ocupar seu lugar.
Avizinhava-se o sete de setembro. O feriado da quinta feira estava quase chegando.
E nada de a chuva cair. O céu, de uma azulice cegante, não se cobria de nuvens cinzentas.
Um calor ensurdecedor dava conta de frigir ovos na terra poeirenta. Já que naquele lugar o asfalto nunca passou.
Foi num sábado, depois de passado o dia da independência, que encontrei o velho Zito assentado na mesma laje dura defronte a sua porteira.
Puxei prosa.
“Como vão as moda? Tá tudo nos conformes? Ocê me parece um cadinho injuriado. Alguma coisa o incomoda? Por acaso está doente? Não parece”.
“Ah! Que nada! Tô igual a prego enferrujado. Quase apodrecendo de tão velho. Se minha saúde piorar melhora. Acredito que não vou morrer nunquinha. Vou passar dos cem”.
De fato. Morrer pra quê?
Se a vida é tão boa não carece não.
A gente pode até morrer um dia.
A data que escolhi para partir já está definida- no dia de São Nunca. No meio da noite. De um céu estrelado. E se, por um acaso eu deveras tiver de morrer que seja vendendo saúde. Durante sono. Sonhando em ser um pássaro avoando pelos ares infinitos.
Repetindo o dito de Sô Zito- “ morrer pra quê”?
Eu nem sei e nem quero saber…