Não pensava que passarinhos choravam. Que aquelas criaturinhas, tão lindas, sentiam e daí derramavam lágrimas de seus olhinhos tristonhos.
Sei, e penso que não apenas eu, sabem que pássaros cantam mesmo entre grades de uma gaiola que, mesmo sem culpas ou terem cometido crimes são ali aprisionados por alguém de coração duro e sem remorsos.
Mas, pensando pelo lado de criadores de pássaros canoros. Esses passarozinhos cantores, se fossem libertos de suas jaulas uma vez livres na natureza pouco tempo iriam durar.
Pois eles são feitos não em úteros fecundos de suas mães. E sim em ovinhos eclodidos em ninhos ou em chocadeiras chamadas de maternidades. E se por ventura fossem como filhos a exemplo cito nós, nessa data presente, quatorze de maio, dia das mães, muitas ausentes de nossos enlaces. Já outras, que bom que nós, filhos, pessoas felizes que ainda podemos celebrar esta data junto a elas. Apesar de filhos ingratos, uma vez os pais envelhecem, pobres pais, pensando que num final de semana vão fazer uma viagem pelas cercanias, em verdade são deixados numa casa de idosos. Sem ao menos receberem visitas dos filhos. E são deixados como sapatos velhos sem serventia até que a morte os venha buscar.
Voltando a avoar. Sem asas usando apenas minha fecunda imaginação, já que escrevo avoando deixando minha inspiração brotar.
Remeto-me à doce infância. Não em minha cidade natalícia – Boa Esperança. E sim tempos depois.
Como me aprazia passar as férias de fim de ano na fazenda de meu tio Zito Abreu.
Aqui pertinho. Antes do trevo de Nepomuceno. Ali chegava numa linda e reluzente lambreta azul e branca. Que ronronava um hrruuuuummm expelindo pelo seu cano de descarga uma fumaça brancacenta e fedorenta. E fazia sucesso não só entre as lindas primas de Varginha como as outras mocinhas de pernas grossas e reconditamente escondidas em calças compridas.
E como era apetitoso, assentados no rabo morno do fogão a lenha, naquelas tardes noites frias, a ouvirmos os causos de assombração contados pelo nosso tio irmão de meu saudoso pai. E eu, moleque exibicionista. Metido à galinho de briga, na intenção de me vangloriar e mostrar minhas esporinhas tosadas rentes, e minha crista altiva, quando nosso tio prometia dar uma moeda das graúdas a quem se atrevesse a ir andando durante o meio da noite à cruz de uma escrava sepulta de nome Francelina. E era eu que levantava a mão direita indicando que seria eu o corajoso. Mas, mal chegava ao terreiro de café. Ali esperava algumas meias horas. E voltava a casa sede da fazenda das Três Barras com a parte de trás de minhas calças curtas toda molhada e exalando um forte odor de urina. E era motivo de pilhéria por parte do bem humorado tio Abreu.
Ali, por detrás da casa sede, foram plantadas anos antes, bem dantes, várias jabuticabeiras vetustas produtoras de frutinhas pretinhas e docinhas como beijos de nossas mãezinhas.
Naqueles pés de jabuticabas, nos meses de dezembro, e, caso as chuvas caíssem mais cedo as jabuticabas pretejavam mais precocemente. E a gente disputava as mais maduras e doces com as maritacas palradeiras e marimbondos amistosos. E abelhas não tanto abelhudas como as que agora fabricam mel.
Ainda me lembro da primeira avezinha arrulhante que abati com meu bodoque de certeira pontaria. Era uma gorda rolinha de peito estufado de tanto comer insetos na mesma jabuticabeira. E ela caiu ainda meio viva. Ao lado de onde eu estava. Tentei fazer boca minha ao bico dela para que elazinha ressurgisse de entre os mortos. Mas foram debaldes as múltiplas tentativas. Ela acabou sendo frita no óleo fumegante de um fogãozinho improvisado com um amontoado de tijolo um sobre um. E uma trempe feita com restos de latas velhas que encontrei perto da horta de couve onde só dava alface e beterrabas.
E os canarinos da terra antes de amarelarem? Que lindo era vê-los ainda pardinhos a ciscarem o esterco de curral com um fundo musical de mugido de vacas e exalando um cheiro forte de esterco curtido de curral.
Já tive cães. Já o disse em outro escrito. Não tenho o menor chamego com gatos. Penso serem os cães mais fiéis e amistosos que os felinos. Embora sejam os segundos mais higiênicos por esconderem suas cacas em caixas de areia onde são ensinados.
Já tive uma infinidade de pássaros criados em gaiolas.
Trincas ferros cantadores. Azulões de lindas cores. Sabiás laranjeiras foram apenas dois. Assanhaços nunca os tive encarcerados. Pássaros pretos sim ainda me cavouca o peito o cantar lindo deles. Mas canarinhos chamados belgas, ou rollers, ainda tenho a intenção de tê-los todos em meu apartamento muito confortável onde hoje deixo repousar meus ossos nestes dias que antecedem meus setenta e quatro anos.
Foi há coisa de sete dias o acontecido.
Descia pelo passeio da rua direita em direção a casa do meu erudito professor e revisor de meus textos o professor Antônio Russi.
Ao passar perto da livraria e papelaria Crepaldi escutei uma cantoria de pássaros.
De pronto avistei seu criador dono daqueles lindos canarinhos belgas.
Perguntei ao senhor se era possível levar um deles ao meu apartamento e ele fez um sinal que sim.
Entramos portinhola adentro onde estavam enfileiradas várias gaiolas cada uma com um canarinho cantarolante.
E ele foi me explicando qual era um e qual ou segundo e a seguir e o sucessivo.
Encantei-me com unzinho que cantava não sei qual canção. Era um trinado ininterrupto e lírico.
Logo negociamos seu valor incluso a morada onde ele vivia. Como aquele canarinho não tinha nome batizei-o de Vitinho. E levei-o ao meu apartamento com gaiola e tudo.
No dia de hoje, quatorze de maio, dia delas, como de sempre acordo antes que o sol nasça.
E fui diretamente a cozinha tomar minha Maltho com leite e duas bananas nanicas.
Não sem antes ver como estava meu canarinho Vitinho.
Tinha intenção de dar de comer a ele e de beber também. Um ovo cozido ainda se mostrava perto do seu poleiro.
Ao olhar pra cima, perto da janela da cozinha, duas gotas salinas caíram ao chão pertinho de onde estava. Pensei ser água que meu canarinho jogara de seu bebedouro ainda cheio.
Não era água de beber. Acabei provando o sabor daquele líquido claro em muito semelhante a lágrimas. Eram lágrimas deveras.
Mas de quem seria o choro? Meu não era.
De novo com a gaiola no tampo da mesa vi os olhinhos tristes do infeliz canarinho.
E em conversa com elezinho tentei consolá-lo com estas palavras doces: “Vitinho. Por que choras? Não te sentes feliz em sua nova morada? Tenho-o visto trinando. E tu cantas muito bem. Podias ser cantor de operetas ou de músicas sertanejas. Por que não tentas”?
Vitinho, enxugado os olhinhos de onde saíam lagrimas, me disse cantando devagarinho: “sim, sei das minhas qualidades como pássaro canoro. Mesmo preso canto. E se não canto não sobrevivo e nem você me dá de comer alpiste a painço. E nem ao menos tu me deixas um ovo cozido iguaria que aprecio demais. Mas, a razão de minha tristeza na data que hoje celebramos, dia das mães, quatorze de maio. E outra. Não tive mãe. Nasci de um ovo. Os outros ovinhos depositados no meu ninho foram comidos por gaviões e corujas. Daí não tenho irmãos. E não sei quem são meus pais. Dizem que minha mãezinha se foi assim que euzinho nasci dentro daquela ovinho de casca mole. E eu não sou mole. O senhor, doutor e escritor bem sabe disso. Daí choro. Derramo lágrimas daqui da janela de sua cozinha”.
Doeu-me fundo no âmago ver as lágrimas despencando mansamente no piso da minha cozinha do infeliz canarinho Vitinho.
E vocês, que têm a felicidade de ainda ter mães aos seus lados? Não sentiriam o mesmo?