“Sonhamos sonhos díspares”

Sonhar não só é preciso como considero fundamental para ir adiante. Caminhando até o poente. Antevendo o sol se despedir da lua para que ela durma sossegada entre as estrelas. Iluminadas companheiras que tanto nos fazem bem.

Sonhar carece de termos uma mente lúcida e fecunda. E essa palavra se torna essencial para que os sonhos não se esboroem na pedra dura. Ela se escreve exatamente assim – sensibilidade. Sentimento que não apenas me cavouca as entranhas ao mesmo tempo me faz doer o âmago. Pois me condoo por simplesmente ver uma criança esmolar num semáforo ou um pedinte estender a sua mão suja e cascorenta a pedir auxilio assentado à porta de uma casa de comidas quaisquer.

Sonhar é vital para seguirmos em frente. Pois, caso os sonhos adormeçam nossos projetos de vida caem por terra. Sem estardalhaço emitindo da boca dos sonhos um murmúrio quase imperceptível aos ouvidos humanos mas não aos cães.

Sonhar pra mim se define em antever o que o dia seguinte nos reserva. No entanto, muitas das vezes o que sonhamos não acontece.

Na noite de ontem sonhei com uma linda fada a pentear meus cabelos longos e aloirados. Nesta manhã, bem cedo, ao me olhar no espelho a imagem refletida mostrou-me a dura e cruenta realidade. Além de ter escassos cabelos, brancos nas têmporas. No andar de cima um vazio enorme se podia ver a minha calvície quase completa como uma bola de sinuca a brilhar rodopiando pela mesa coberta por um feltro verde.

Da mesma maneira que sonhar é vital ter pesadelos, sonhos lúgubres e cinzentos, podem acontecer durante as noites plenas madrugadas.

E estes sonhos imperfeitos, negros, verdadeiros filmes de terror macabros, a mim me parece ser coisas e loisas acontecidas em nossas vidas tão ou mais reais como meus textos os quais deito no papel a cada manhã. Pois me desnudo nas minhas crônicas. Permito-me ser tão ou mais transparente com o vidro da janela da frente do meu consultório. Verdadeiramente limpo. Pois minha querida Zaninha, amante da limpeza, não permite que minha oficina de trabalho fique empoeirada ou suja um dia sequer.

E quanto aos meus sonhos? Seriam os mesmos que quando menino? Morando naquela casa que daqui se deixa ver a mão esquerda?

Ou estes sonhos mudaram não apenas de lugar ou de cor?

Dantes sonhava com um Papai Noel vindo de longe não de avião ou bi motor. Um bom velhinho que distribuía presentes as criancinhas do mundo inteiro.

E pensava eu. Entre imensas dúvidas. Como uma pessoinha tão boa. Dizem que bem desprovido de imensa fortuna. Dir-se-ia pobre mesmo. Como ele poderia comprar essa infinidade de presentes? Ele, o tal Papai Noel, com aquela barrigona estufada naquela calça vermelha, podia entrar pela chaminé. E, caso as residências não tivessem chaminés; elezinho podia entrar em nossas casas, em plena madrugada, sem ser preso pela polícia já que podia ser confundido com um gatuno deveras bandido.

E meus sonhos de dantes eram deveras coloridos em todas as nuances das cores múltiplas do lindo arco íris que um dia se fez depois de uma chuvadonha despencada numa tarde mansa.

Já os de agora se mostram da mesma cinzentice de um dia nevoento.

Um dia desses, parece que foi numa terça feira passada, ao caminhar a passos tartaruguentos pelas calçadas, dei de frente com um garoto caminhando em sentido contrário.

A mim me pareceu que ele não tinha pressa pois era uma terça feira feriado prolongado e o menino não tinha de comparecer às aulas. Ele sim, folgava.

Acabei sendo levado a parar aquele garoto, usando grossas lentes de grau sobre seus olhos claros.

Acabamos papeando assim: “ei garoto! Como é seu nome? Você estuda? Onde? Em que série”?

Ele, não temeroso de minha admoestação súbita, em plena rua, me respondeu amistosamente: “ me chamo Claudio. Curso a terceira série do primeiro grau na Escola Estadual Firmino Costa. E o senhor? Ainda estuda ou já se aposentou”?

Percebi, pelos seus olhinhos claros, que o Claudinho, além de ser boa pessoinha era bom aluno.  E prolonguei  a minha prosa com elezinho.

“Claudinho. Você sonha? Precisamente com quê? Eu sonho sonhos cinzentos e amargurados. Isso quando não me assaltam pesadelos lúgubres”.

Já ele, olhando-me com ternura, me respondeu: “ olha, meu bom amigo. Já eu sonho sonhos coloridos de cores vivas e berrantes. Meus sonhos são recheados de bons momentos. Sonho que vou passar férias de fim de ano na roça de minhas tias avós. Subindo nas jabuticabeiras a disputar as mais docinhas com as maritacas palradeiras e os marimbondos de doídos ferrões. E acordo todo feliz. Imaginando que esses sonhos serão realidades”.

Despedi-me do garoto Claudinho pensando em nada mais. Nada menos. Do que sonhos.

Dependendo da fase de nossas vidas os sonhos mudam. De intensamente e feericamente coloridos eles passam a cinzentos e tristes. Pra mim a tristeza e a alegria são parceiras. Pois sempre me sinto assim – up e down.

 

 

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