Há tempos os contratempos ainda não existiam.
Éramos felizes e não sabíamos.
Uma vez jovens criados. E bem. Em volta da mesa da sala de jantar todos nos reuníamos felizes ao lado de nossos queridos e amados pais.
Não eram anos de gorda fartura. Quase nada nos faltava naquela mesa enorme esticada numa sala de jantar acanhada feita em madeira de lei. Meu pai dizia ser feita de puro cerne de jacarandá.
Naqueles idos janeiros, que se esticavam até o finado dezembro, compartilhávamos o pão e, mesmo que faltasse o vinho não ficávamos de bocas salivando. Pois nossos copos eram cheios de sodinha de rico sabor de abacaxi.
Minha saudosa mãezinha enfileirava a gente ao redor daquela mesa por ordem de idade. Os maiorzinhos assentavam-se logo a uma cadeira dura ao lado dela. E, em ordem decrescente íamos um a um esperando que ela nos dissesse onde seria o nosso acento.
Nosso estimado e respeitado pai era o primeiro a se posicionar à cabeceira daqueia mesa. E diziam, a voz corrente, naqueles idos anos que, quem se assentasse à cabeceira era quem pagava a conta. Em nosso caso não era bem isso a bem da verdade. Já que meu amado pai era inválido graças a um acidente de trabalho tinha de se locomover em caldeira de rodas. Era meu irmão mais velho e minha querida mãezinha os responsáveis por manter nossa modesta morada. E o ganho de aposentado mal era suficiente para comprar os remédios que ele usava rotineiramente.
Ainda me lembro do que comíamos na segunda refeição do dia. Já que o café da manhã era composto de um cafezinho requentado ou frio. Feito na noite de ontem. E, se faltasse gás de cozinha a gente tomava assim mesmo – frio. Acompanhado de uma broa de fubá feita por minha não menos amada avozinha que nos tempos de agora repousa de olhos fechados nalgum lugar pra mim desconhecido.
Ao derredor daquela mesa está faltando uma pessoa. Ou melhor, duas. Meu pai e sua esposa talvez nos olhem com seus olhos no mesmo espaço escuro que se mostra, lá no alto, nesta manhã bem madrugada. Dessa segunda feira oito de maio.
Ah! No parágrafo dantes disse que iria listar quais os pratos fariam parte de nossa segunda refeição.
Em primeiro lugar um arroz feito na panela de pressão misturando à galinha que morreu de susto na tarde de ontem. Era uma galinhada inimaginavelmente deliciosa. Por ser cheia de ossinhos de galinha minha insubstituível mãezinha, cuidadosamente ia retirando os ossinhos com cautela para que meu irmãozinho mais novinho não entalasse com um deles na sua gargantinha faminta.
E o feijão entremeado de fatias de gordura da barriga do porção morto na semana passada. Era de fazer-nos regalar de tanta gostosura. Naquele rico feijão não podia faltar farinha de mandioca branquinha como flocos de algodão.
Mas a cena que eu mais apreciava era ver minha mãezinha chupar até secar o sumo dos pés de galinha. O pescoço ficava tão limpinho mais parecido ao nosso depois do banho de bacia pois em nossa morada humílima não existiam os chuveiros. Já que a eletricidade veio depois.
Ao derredor daquela grande mesa, antes de irmos aos pratões cheios pelas bocas devíamos esperar a oração feita pelo meu irmão mais velho. Era o Ricardo, morto por atropelamento numa cidade longe, que fazia a oração em agradecimento por essa refeição tão pródiga em sabor.
Só depois da breve reza podíamos nos lançar de garfos e facas ao prato que em segundos se esvaziava.
Já a louça usada era eu quem a lavava não na pia da cozinha. Já que a tal pia não tinha água encanada e era numa torneira improvisada do lado de fora da velha casa. Em verdade não era torneira nenhures e sim uma bica de água que descia limpinha de uma mina que brotava por cima de onde morávamos.
Quatorze de maio se avizinha. Com ele celebra-se o dia das mães.
Ao redor daquela grande mesa a gente era feliz e bem o sabíamos.
E que deliciosas refeições nós, filhos, repartíamos.
Já hoje, ao derredor daquela mesma mesa estão faltando duas pessoas.
Eles não mais irão distribuir a gente a sobremesa. Um pudim e fatias de queijo fresco juntinho a nacos generosos de goiabada.
No próximo dia das mães naquela mesa enorme eles dois vão estar ausentes. E nos próximos da mesma maneira suas presenças vão ser duramente sentidas.
Só me resta um consolo. Em breve nos encontraremos ao redor de outra grande mesa. Ao lado do Senhor Nosso Pai do Céu. Só que desta vez quem vai comandar a oração não vai ser meu pai. E sim outro papai de todos nós. Vis mortais.