“Ao longo da noite vou lendo minhas velhas cartas. Vejo como a letra mudou e penso: a caligrafia é parte do corpo. A minha escrita foi ganhando rugas com a idade. Como a gente”.
Já disse e não me canso de repetir tal dito: “de nada adianta enaltecerem minhas virtudes à beira de minha sepultura. Ou erguerem um busto, uma herma da minha pessoa numa praça pública. Que logo vai se tornar mais uma latrina de pombos. Que sejam os viralatinhas pardais. Melhor que sejam canarinhos da terra ou bem te vis avoantes todos eles. Se por ventura desejarem prestar-me uma singela ou meritória homenagem que o façam em vida. Uma vez morto não irei saber se por cima de meu túmulo vicejam margaridas ou flores de defunto. Não pretendo e muito menos desejo descobrir”.
Ao longo das noites que me sobram talvez tenha o prazer de passarinhar meus olhos por aquele livro dele. Um advogado lídimo e de fartos cabelos brancos neve. Dito ex professor. Jogador de futebol nos campos olímpicos de nossa amada Lavras. Cidade pela qual ele, meu amigo e leitor, que sempre, a cada dia que ultrapassa outro, assim que lê minhas crônicas cotidianas, ele sempre, não falta a umazinha somente, responde com um amistoso: “boa tarde Paulo Rodarte escritor”. Ou, quando a noite se faz escura ele assim escreve: “boa noite, bom descanso. Amei o seu escrito de hoje bem cedinho”.
O autor de “Gente da terra” livro retrato de figuras e fatos de nossa amada Lavras. Onde pessoas, ilustres ou não, são ali retratadas a pinceladas inspiradas pelo magistral magistrado, um professor, infelizmente não foi meu, mas de tanta gente temente e não a Deus Pai.
Pessoa das mais amadas em sua terrinha que não é a mesma minha de berço. Já que eu não nasci aqui. E sim nas Boas Esperanças da tal serra da mesma boa esperança, que o poeta Lamartine Babo imortalizou em sua linda canção que inda ecoa em meu coração.
José Pranche, não sei o porquê desse nome. Ou seria planche? Ou prancha não de tomar chá de camomila pra me aquietar. Já que sou tão indócil não com a doçura do açúcar mascavo. Ou até mesmo com o azedume e o ardume de pimenta malagueta. Porreta, como ele, meu caro amigo Zé, o tal da cabeça branca e dos ternos alinhados vestidos lindos como ele faz compras no supermercado quando nos encontramos na fila dos idosos vaidosos como somos.
Não carece repetir o dito dantes: “antes que ele, ou eu, subamos pro alto, e ultrapassarmos as nuvens cinzentas ou branquinhas, e cheguemos, mais distantes, no céu, ao outro lado da vida. Se é que existe vida após esta. Ainda não sei e nem quero saber” …
Que o celebrem enquanto ele, ou eu, estivermos vivos e saudáveis.
Caso ele, ou eu morramos, de nada adianta derramarem choros nem se queimarem com velas acesas perto de nossos caixões.
Pois não saberemos quem são vocês ou vós.
José Alves de Andrade. Tentei investigar quem tu és no Google e ele não soube dizer exatamente quem tu és.
Se deveras primo irmão da dona Vera ou marido da feliz dona Sueli. Um maridão gostoso um dia ela me disse. Em prantos na porta de um dos supermercados de nossa cidade.
Um dia a dona Sueli inquiri: “como uma senhora tão linda suporta um marido tão chato e feio como o seu?”
Da boca do amigo Zé Pranche escutei o que não queria. Já que minha esposa Rosa estava ao meu lado direito: “Rosa. Como uma moça tão prendada e dedicada à família suporta viver ao lado de uma coisa como esta?”
Ainda bem que alguém apartou aquela briga ruim que estava quase por acontecer.
E fomos cada um pro seu corner. Eu corri pro meu e ele pro dele.
Meu caríssimo causídico. Faço parte de uma linhagem de advogados. Meu tio Chico. Seu filho meu primo Negis. Meu amado pai Paulo José de Abreu o foi. Meu filho tenista Stenio o é. Mas eu não sou.
No entanto dos entre tantos que o consideram da prateleira bem do alto, um grande profissional das leis.
Pra mim você é mais que amigo. Do peito.
Daí o título da minha crônica de hoje, três de maio. Dia feliz pra mim por ter ultimado meu romance Rakel. Dei um ponto final na madrugada de agora mesmo. Fim, desfecho, epilogo.
Antes que você morra, amigo Zé. Se por acaso quiserem celebrá-lo que seja em vida.
Não coloquem seu nome, ou o meu, numa herma qualquer. Ela vai servir como antepasto de caca de pombos ou outro passarinho avoante que, uma vez cansado de voar, vai, com certeza empoleirar em nosso busto e ali defecar.
Um fraternal enlace entre seus abraços. Que seja na porta de um supermercado pois o considero super Zé. Não um Zé nenhures. Ou Zé ninguém.
Você, o senhor, José Alves de Andrade, um derradeiro pedido lhe peço- deixe a alça direita do seu ataúde a minha insignificante pessoinha.
E a minha deixarei a você…