O sertão descrito magistralmente pelo Guimarães era de fato grande.
Só que as terras sertões percorridas pelas Minas Gerais não eram dele.
E Riobaldo, Zé Bebelo, Diadorim, Ana Duzuza, Selorico Mendes, Maria Mutema e outros mais, nem conheciam meus amigos. Já que os de Guimarães eram fictícios. E os meus meias verdades embora não usassem meias ao calçarem as botinas gomeiras. De fato existem e moram em casinhas singelas, cuidando de suas vaquinhas tatus com cobra. Roçando a pastaria para que elazinhas não se transformassem em verdadeiros sarandis. Carpindo mato. Coçando os vergões deixados pelos carrapatos. Levando cascavel nas canelas finas. Orando contritos pela volta das chuvas. E que ela cesse na panha de café. Sendo meus amigos do meu pequeno sertãozinho, as margens de um rio que já foi grande. Agora cerceado em sua liberdade por obstáculos que se interpõem entre o rio que já foi grande agora domado pelas barragens.
E, ao revés de serem Riobaldos, aquele que baldeia o rio. Personagem Roseano diretamente ligado ao elemento água. Por outro lado diretamente ligado a terra. Já que seu símile animal é o cavalo. E Riobaldo Tatarana, narrador do indescritível Grande Sertão – Veredas, conta tudo na primeira pessoa. Sua narrativa é recheada de neologismos Roseanos. Já os meus são ditos Rodarteanos.
Sendo Diadorim na realidade filha de Joca Ramiro e se chama Maria Deodorina e outros sobres mais. E ela se veste de homem justamente por que a condição feminina era complicada naqueles anos antes de dantes. Melhor de agora. E ela não podia explorar os sertões sendo mulher e não macho. Querendo vingar a morte do pai, Joca Ramiro. Tomada de um ódio sem par. Morto pela carga de bala de um revólver de gordo calibre. Talvez um treisoitão.
Morta por Hermógenes na trama.
Na trama do meu pequeno sertão, se alguém morre nunca é por ter sido baleado numa briga de botequim. Pois nas bandas de minha rocinha não tem tempo de tomar canjibrina num bar qualquer. E se quer tomar pinga das piores tem de ser depois do serviço. Pois todo aquele que vive na roça bem sabe que lá não tem sábados, domingos, dias santos ou pra descanso. Pois dizem ser a vaca ignorante. Ledo engano. Ela pode não pensar, mas ruminam. E seus pensamentos avoam mais distante que os meus.
Podem os personagens de João Guimaraes Rosa serem nos tempos de agora ícones de quem gosta realmente de ler. Mas os meus amigos roceiros, naquelas bandas de Ijaci. Eles sim têm mãos cascorentas e tezes curtidas pelo sol inclemente mesmo à sombra das amoreiras ou até mesmo das aroeiras. Que produzem coceiras graúdas naqueles alérgicos as tais folhinhas verdinhas. E se desdobram e repicam como sinos no badalo das seis da tarde. No cume daquela capelinha no centro do arraialzinho pequenininho. Onde quando o padre aparece, vestido na sua batina, é um tal de rezar ajoelhado que até quem não é beato sente saudade da namoradinha que se casou com o sacana do falso amigo.
Riobaldo, Diadorim, Hermógenes, Selorico Mendes, Ana Duzuza, Maria Mutema, eles todos não existem senão na inspiração do grande João.
Mas nas minhas andanças pelo meu pequeno sertão Tiãozinho do Aristeu, Zé Antonho, Tadeu, ainda apaixonado pela não mais tão moça Vanessinha. Betão, arrendador das minhas terras, paizão amigão de sua penca de filhotões – Binho, Menina Seriema, Lucilene, a mais rodada em anos, o simpático Carlinhos, pião na mais pura expressão desse nome. E os três netinhos do Roberto da dona Lúcia.
O vizinho de cerca Geraldo da Nega, que não é negra e sim branquinha como nuvem sem chuva. Um caboclo valente. Que mesmo em final de carreira se recusa a voltar à cidade. Portador de mal de Parkinson diz, ao ordenhar suas vacas: “tremendo é melhor tirar leite. Pois a minha munheca fica mais esperta. E as tetas das vacas ficam mais macias que dantes. E o leite branquinho e espumante, quentinho, sai ainda melhor”.
Não podia deixar de anotar, neste meu pequeno sertão veredas, enveredando-me por mais amigos, a dona Maria do Seu Mané, prosas boas como sói eles só. Emérito plantador de bananas. As quais sempre filo dele quando em visita ao sítio Paraíso. Porteira a porteira nunca fechadas nas bordas de um condomínio de gente da cidade. Pra onde gostaria de ir no sábado passado. Impedidos que fomos nós dois, Carlinhos e euzinho. Já que estávamos montados em duas lindas éguas quase ao meio dia do derradeiro final de semana. E, na porteira de entrada daquela morada tão linda se interpunha entre nós um mata burro.
Mas, meus personagens do meu pequeno sertão veredas, não eram Riobaldos, Diadorins, ou outros quaisqueres.
Aos antes nomeados ainda merece menção, nunca desonrosa, o alegre Cláudio, mesmo cegueta enxerga melhor que muitos providos de olhos enxergadores.
A ele não só tiro meu chapéu como me posto de joelhos aos seus pés descalços.
Muitos amigos do meu pequeno sertão já faleceram. Ai que saudades do Geraldão. Caboclo forçudo que quebrava uma roça de milho inteira com as mãos desenluvadas e não carecia das enormes colheitadeiras do Zé Peleja e do seu irmão sócio Carlinhos Fala Fina. E o meu caseiro bonachão Tom Zé? Que vive solitário numa velhusca morada. Onde seus pais e bisavós moravam. Ali nem tem televisão. Carece de geladeira. Micro Ondas só se for nas ondas do mar. Sujeito de bem com a vida. Amigão.
Vamos deixar Guimarães Rosa descansando suas letras num jazigo em Cordisburgo? É lá que ele foi sepultado?
Mas o meu pequeno sertão mora ali mesmo. Quando eu tiver de morrer. Se a funerária me permitir. Depositem meus restos mortais ali mesmo. Avistando as águas turvas barrentas da represa do Funil. Bem do ladinho dos meus cães e das minhas éguas de pura marcha. Futuras mamães.