Quem ainda não percebeu, seja na parte da manhã, ou no debrum das tardes, aquela arvorezinha mimosa, de modestas dimensões, folhas verdinhas, toda vestida de flores brancas e perfumadas, que logo descem ao chão, atapetando-o com suas flores delicadas, salpicando o negrume do asfalto como se fosse neve, uma neve sem o frio que a caracteriza, sem a maciez que a marca, sem o aspecto de sujeira que fica depois que a neve derrete, uma lama derretida que faz escorregar quem por ela passa.
A tal árvore linda, ideal para sombrear praças e avenidas, sem o estrago nas calçadas que fazem as sibipirunas, recebe no nome de Murta. Ainda fiquei sabendo, depois de uma consulta ao Google, que a planta tem poderes medicinais: o seu óleo essencial ameniza problemas respiratórios, regula o sistema endócrino, e ajuda no tratamento de doenças da pele além de regular o teor de glicose no sangue, e outros poderes mais.
Deixando as explicações preliminares de lado, ontem, de volta a casa, já era noite, por volta das oito e meia, ao descer a rua central, do lindo condomínio onde moro, dei de cara e de olhos com uma linda Murta dando seu show noturno.
Fiz questão de fotografá-la com meu i-phone novo.
Pelo adiantado da hora, graças à luz de um poste, ficou uma linda fotografia, tendo como pano de fundo o céu estrelado de ontem a noite.
Não estava cansado de um dia cheio de trabalho duro. A academia onde sempre frequento, a esteira que tanto bem me faz, a piscina onde faço de conta que sei nadar, de novo inseriram em meu cerne duro a satisfação de dever cumprido.
Embora fosse aquela hora inusitada para minha chegada ao lar, fiz questão de parar perto da linda árvore da Murta, a da fotografia arquivada, dentre tantas outras, na memória exausta do meu celular.
De começo aspirei aquele perfume característico. Que não só inebria como faz bem aos meus pulmões idosos.
Incontáveis folhinhas brancas já estavam prestes a dormir, esparramadas no asfalto um tanto gasto das ruas lindas, ricamente arborizadas, arvorezinhas estas moradas de pássaros canoros : Joões de Barro, Assanhaços azulados, Pardais vira-latas, Rolinhas espertinhas, Andorinhas avoantes, Arrebita Rabos com suas caudas emplumadas em duas cores, inclusive canarinhos em vias de extinção, que, felizmente voltaram, graças aos estilingues dependurados, eu mesmo em quantos deles mirei, e felizmente errei o alvo.
Era perto de oito e meia da noite de ontem, parado, extasiado pela beleza daquela Murta florida ao exagero, ao ver uma das florzinhas ainda viva, deitada no negrume do asfalto, prestes a falecer, tive uma iluminada ideia.
Apanhei-a delicadamente entre dois dedos. E vi que de seus olhinhos claros ainda brotava uma réstia de esperança. Quem sabe ela ainda viveria de novo, caso cuidasse dela, aspergisse uma nesguinha de salpicos de água em sua face tristonha, e de novo, assim que ela mostrasse vitalidade a inseriria de onde ela despencou, recentemente.
Minutos depois, já passava alguns instantes das oito e meia da noite, uma linda noite, com sinais de gotículas de chuva no alto, tomara chova mansamente, não caia uma tempestade que fatalmente faria danos enormes à árvore de Murta, despetalando-a de suas flores todas, ao colar a linda florzinha branca a um galho mais baixo da arvore mãe, a mãe Murta sorriu pra mim.
Não acreditam?
No momento eu mesmo recusei a crer, dentro da minha descrença insana.
Mas assim aconteceu.
Na manhã de hoje, dia que começou fresco, e agora acalentou, ao passar por baixo da linda Murta onde de novo fiz reviver a flor prestes a falecer, uma das que atapetavam o negrume do asfalto negro, a Murta florida de novo sorriu em direção a mim. Não riu de mim, simplesmente, ou infelizmente, tudo não passou de um sonho meu, um dos tantos que em verdade me cativam nas noites indormidas que tanto me fazem bem.