Quando entro em um carro, seja num dia frio, ou de intenso calor, faço questão de abrir a janela, do meu lado, já que do outro, o banco do passageiro, a ocupante não aprecia saborear o vento assoprando-lhe uma brisa fresca na face, e adora ficar de vidro cerrado, com o ar condicionado ao máximo, talvez receando que algum malfeitor lhe passe a mão no pescoço, e lhe afane a correntinha de ouro maciço, presente de alguém, quem sabe fui eu?
Da mesma maneira deixo as janelas de folhas duplas, do meu quarto de dormir, com as duas bandeiras desfraldadas, quando por elas entra, pela vidraça, o sol e a tepidez da mornice da manhã de primavera mostrem a que vieram; permita que a vetusta seringueira, árvore errática, que não deveria ter sido inserida àquela exígua faixa de gramado, uma reles pracinha onde se vê um banquinho tosco, onde namorados são pilhados aos beijos e abraços.
Bem sei que as produtoras de borracha são oriundas do norte do país. Talvez a seringueira se sinta infeliz ali.
Como disse, tantas vezes, sou contra as superfícies espelhadas. Não apenas os espelhos, verdadeiros dedos duros que não apenas comprovam que a velhice, em verdade, é uma fábrica de monstros, assim como ensejam em nós, os passageiros daquela linda e graciosa idade, pela qual olhamos para trás, e percebemos, nostálgicos, o quanto foi boa a nossa mocidade. Mas nada contra estar velho, para mais uma vez sermos sabedores de que a mocidade se foi, o presente está aí, de olho na gente, o futuro é uma incógnita, tomara a morte não nos faça uma visita antes da hora.
Hoje, depois de acordar neste domingo, vinte e dois de janeiro, fiz questão de abrir a janela, aquela mesma que permite ver a seringueira, verdinha, enfiada no tal gramado onde fincaram um banquinho tosco.
Não fui logo ao desjejum. Tomei um cafezinho expresso. Lavei o rosto, para ver melhor a partida de tênis onde meu ídolo brandia magistralmente sua raquete, vindo a vencer seu oponente, o grande Federer, depois de uma inatividade de seis meses sem torneios, como deve ter sentido a longa ausência!, desci a rua do condomínio uns exíguos vinte metros, onde ainda moro, e fui correr uns minutos na esteira do clube, um simpático local de exercícios, ainda pouco frequentado.
Corri por pouco mais de uma hora.
Neste ínterim observei uma andorinha filhote, ainda aprendendo que uma só não faz verão, voando baixo.
Naquele seu voozinho frenético, inexperiente, a pobre avezinha acabava batendo cabeça numa vidraça feita de vidro Blindex, bem transparente, ao contrário da alma de certas pessoas. Que na frente dos outros mostram uma face, por detrás, exatamente outra. A de maior e cruel realidade pura.
Uma hora depois percebi a pobre andorinha, depois de sucessivas idas e vindas, cair atordoada pertinho da minha esteira corredora.
Fiquei alguns segundos observando se a andorinha iria se levantar, de novo voar, e sair pela fresta livre do vidro Blindex limpinho.
Foi penoso para mim, cheio de saúde, de energia, de vontade de viver, comprovar que a pobre ave jazia imóvel no chão de pedra ardósia, escura, fria.
Terminei a corrida antecipadamente. Ainda desejava ficar mais ali, exercitando-me, para depois nadar.
Mas, vendo a pobre andorinha com o bico ainda aberto, sem farfalhar as asinhas, estática, parecia morta, apanhei-a de dedos leves, pelos apêndices voadores, e depositei-a cautelosamente na grama do lado de fora da academia.
Não fui logo embora. Estava suado, sem estar cansado. O clube do condomínio estava às moscas, não fora pela presença do cuidador, o amável senhor Daniel. Pena aquele lindo logradouro ser tão pouco frequentado…
Meia hora depois fui ver o estado de saúde da andorinha.
Ela ainda estava no mesmo lugar de antes. De barriguinha para baixo, na mesma relva onde a depositei, sem sinal de vida flutuando-lhe dentro do peitinho magro.
Não tive coragem de ouvir-lhe os batimentos cardíacos. Dentro de mim morava uma quase certeza. Ela estava morta. Não havia chance de ela sair voando de novo, se juntar a outras companheiras, virar pássaro adulto, envelhecer ao lado de um macho, para nova família ver crescer.
Agora, longe do sepulcro verde onde, por certo, a andorinha morreu, escrevendo esta crônica, mais uma vez me veio à lembrança os vidros e vidraças, em suas janelas fechadas, dos quais desdenho tanto.
Tenho verdadeira ojeriza por vidros e janelas fechadas. Quando as percebo logo cuido de abri-las, desfraldá-las todinhas, permitindo assim que entre o ar, o sopro ameno do vento, os ruídos da manhã.
Uma das razões da minha aversão, janelas e vidros fechados, trata-se, e se corrobora na morte da pobre andorinha, depois de aprender que uma só delas não faz verão…