Aquela rua ficou mais vazia

Tantas e tantas vezes tantas falei daquela rua. Uma ruinha antes não asfaltada. Era de terra batida. Depois a fizeram mais dura, calçada de paralelepípedos.

Inda me lembro das reminiscências que ainda hoje me ferem a sensibilidade.

Era menino moleque, artioso, com a testa ainda não tão ancha, graças à calvície herdada de meu pai, que de vez em quando mostrava o roxo redondo dos galos, todos curados dado ao cuidado de minha mãe quando ela tentava amenizar o inchaço, com seu beijo carinhoso, com uma colher fria, retirada recente da geladeira, que tinha o dom de sarar o machucado.

Por aquela rua central, na subida do morro do Mirante, começada por uma caixa d’ água, reservatório antigo, talvez ela contenha em sua água tratada um cadinho da saudade que nutro pelas pessoas boas que por ali viveram, são tantas que minha memória às vezes me atraiçoa, ainda, em seu início, naquela rotatória que mudam governos, entram e saem manda- chuvas, sempre alguém muda o caminho perigoso entre os carros e as pessoas andejas como eu, e pouco aniquila o perigo.

A rua que continua a minha, onde tenho o consultório, é outra artéria bem comprida, do tamanho exato do comprimento espichado das lembranças que trago no fundo do peito dos ex- vizinhos da Costa Pereira.

Um dia perguntei, num texto mais antigo: “Por onde andam os meninos da Costa Pereira”?

Essa crônica foi publicada neste mesmo jornal onde pretendo que esta seja escrita.

Foram tantos comentários, alguns carregados de lágrimas salinas, que quase deixei as minhas borrarem a folha de papel.

Não desejo mais dar nomes aos bois. Se bem que todos eles não  sejam  da raça bovina, alguns eram fazendeiros, embora adore as vacas, nem tanto os animais que as possuem.

Da outra vez que escrevi, posso ter-me olvidado de alguns dos meus velhos amigos na crônica de então. Do LTC, do velho trampolim que agora foi derrubado, a piscina foi modificada, pra bem melhor, imagino. O clube inteiro, antes Praça de Esportes, na cara da casa que ainda é dos meus pais, onde hoje mora a minha irmã Rosinha, e suas cuidadoras especiais. Bem do lado de baixo morava um irmão de minha mãe, o velho Chico, não o rio caudaloso, herói do sertão, pai dos meus primos, outros Rodartes, além dos filhos do Tio Rui, o Rúbio, irmão mais novo ainda malha no LTC. A tia Cida se mudou de ali, hoje mora com seu filho Rogério e esposa, um esteio onde ele amarra sua égua, a tia Dorinha mora ali pertinho, num leito confortável do excelente nosocômio Vaz Monteiro, felizmente ainda ontem ela teve alta, cujo velho pavilhão, o de baixo, meu avô Rodartino ajudou a edificar, antes dedicado às crianças. Meu avô e minha avó Belica moravam na velha casa agora transformada no Edifício Rodartino Rodarte, obra saída da terra graças à intervenção do meu pai, desde os seus tijolos duros, às telhas vermelhas, às janelas de madeira de lei, portas e coisas afins, eu mesmo a reconstruí num recanto cercado de encantos, a minha rocinha prejuizenta no município de Ijaci.

Deixando os Rodartes de lado, muitos deles ainda estão aqui, andando, como eu, por cá e por ali, passo a nomear outro cidadão ilustre, que inda hoje, dia 19 de janeiro, nem bem o ano começou e ele já nos deixou…

Ele era vizinho dos meus pais. Na casa de baixo morava outra saudosa e ilustre figura, o Paulo Reis, que de pouco faleceu.

Sua casa, uma enorme e bem construída morada, agora está por ser alugada, talvez um dia passada a outras mãos, quase certo, não tão boas como as dele.

Inda me lembro de quando me meti na besteira de produzir leite preto da vaca branca. Com que alegria e felicidade deixei o leite de lado, e arrendei a minha roça às mãos expertas de um amigo.

Eu me gabava de ser o menor produtor da micro bacia leiteira de Lavras.  Tirava tanto leite quanto uma solitária vaca do grande Gabriel de Siqueira Lopes, um verdadeiro, não virtual cibernético retireiro, vencedor de incontáveis torneios leiteiros da região.

Ainda me lembro de quando fui à Fazenda da Limeira, pertinho dos fundos da cidade, o mesmo caminho que percorri correndo, quando fui até distantes quarenta e sete quilômetros, desde aqui ao bairro Simoni, na represa de Camargos, município de Itutinga, cujo prefeito hoje repete o nome de Fabiano. O mesmo nome do prefeito de Ijaci.

Ainda ontem, ou seria antes de ontem, cruzei-me com o senhor, de sorriso lhano, rotariano frequente, educado, de boa memória, pai e avô exemplo, em sua nova morada, bem detrás do seu antigo escritório, nas barbas verdes da Praça Augusto Silva, o cartão de visita da cidade de Lavras.

Ele se mudou para a nova morada em tempos recentes. Acredito que ele, seu Gabriel Lopes, que deixou viúva a querida dona Maristela, seus filhos vários, netos nem sei quantos serão, seria ele bis?

A casa onde morava, pertinho da casa que ainda é dos meus pais, duas casas abaixo, onde hoje mora a Rosinha, minha querida irmã, está vazia, à espera de novos inquilinos, ou donos novatos.

A Rua Costa Pereira acordou, mais tarde que de costume, sentindo no ar um amaro sabor de nostalgia.  Não apenas de outros moradores, amigos dos Rodartes, famílias lindas que ainda trago ensartadas fundo no peito velhas recordações.

Mas principalmente hoje, dia 19 de janeiro, a Rua Costa Pereira acordou mais vazia, sentindo a doída lembrança do caro amigo, amigo de tanta gente, o inesquecível Gabriel de Siqueira Lopes.

 

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