A farofada da Zaninha

Para quem não conhece a personagem deste meu escrito, que inda hoje surgiu, sorridente como minha querida companheira, rindo até mesmo das adversidades, com aquele sorriso maroto, mostrando a idade pelos dentes da frente, os de trás ela mostra sem reticências, pessoa sem defeitos, fora os que herdou de berço, são tão poucos que não desejo mencioná-los, ela só tem qualidades, gostaria e mostrar-lhe o currículo em algumas palavras apenas: humildade, seriedade, singeleza de comportamento, honestidade, castidade só o noivo saberia dizer, bondade pura, comprometimento com todo mundo, velocidade em ir e vir da rua, disponibilidade total e subserviência, capacidade de aprender tudo ao derredor, esforçada ao extremo, zelosa no trato com as pessoas, amada e idolatrada por quem a conhece nas entrelinhas, fácil de conviver mesmo com as pessoas difíceis, e muito mais, queria aqui deixar meu testemunho, de quem com ela convive há pouco tempo, desde que sua irmã partiu rumo a outro mundo, que existem na natureza humana poucas pessoas como a minha amiga Zaninha.

Só ela para suportar meus repentes de ansiedade. Só ela para aguentar o peso pesado da minha intranquilidade, de vez em quando manifesta, quando assisto sôfrego a alguns “malas” que me procuram.

Temos pouco tempo de contato estreito. Quando preciso de uma enfermeira capaz ela se torna insuperável. Quando necessito de uma secretária perfeita lá vem a Zaninha com sua voz anasalada. Os senões de português ela tenta corrigir, com sua voz fanha, com sua simpatia tamanha. Foi dela que, pela vez primeira, ouvi a palavra “parança”.  A princípio pensei que tal expressão não existisse. Só depois de alguém me comparar a um cavalo inteiro, irrequieto animal que não fica parado por nenhum minuto, sempre relinchando por qualquer motivo, foi que descobri que tal amontoado de letras faz parte do vocabulário da língua portuguesa.

Um dia a minha confiável enfermeira se fez ausente. Não era dia de semana normal. Ela, durante todo o tempo ao meu lado, do outro lado da sala, jamais faltou ao serviço um dia sequer. A assiduidade total é outra qualidade da querida parceira de tantas lutas inglórias. Nunca a vi com um acesso de tosse. Ou queixando-se dor de barriga, nas articulações, nas costas, ou no pescoço longo.

Foi neste sábado que setembro engoliu que Zaninha fez a sua primeira viagem rumo às águas salgadas do mar. Até então jamais sonhou em provar a acidez de sal daquelas águas azuis, verdes, que vão e voltam com suas ondas brancas, deitando na areia o canto das sereias, personagens de ficção nas quais acredito.

Zaninha, mãe, e sobrinho, partiram em excursão rumo às lindas ilhas e praias de Paraty.  Foram embarcadas em um “busão” lindo, junto a mais de cem pessoas, não sei como cabiam tantas, em um espaço tão limitado. A viagem foi marcada para as dez da noite. Mas acontece, como sempre, o ônibus teve um pneu furado, foi levado ao borracheiro, que deixou um prego enferrujado dentro do mesmo, que, no meio da viagem acabou murchando, deixando a multidão a ver navios longe da beleza do mar revolto.

Antes gostaria de frisar a encomenda da Dona Maria, mãe da minha amiga Zaninha, senhora nascida na comunidade do Macuco, distrito de Itumirim. Bom lembrar-se de quem mora em Macuco tem o costume de tomar banho. Não tem macuco, aquela coisinha grudenta que não sai nem com bucha grossa.

Dona Maria levou a comida para os quatro dias de permanência naquela linda cidade histórica, situada no Estado do Rio de Janeiro. Tudo higienicamente embalado num isopor furado na parte de baixo. Por onde o gelo fugiu, deixando a comida em maus lençóis.

Binha, noivo há vinte anos da Zaninha, irmã do amigo Pirunguinha e da Betel, foi pedalando até Aparecida do Norte. Combinaram se encontrarem em Parati, a fim de voltarem juntinhos, naquela lotação lotada, até a volta pra casa.

Aconteceu mais um acontecimento esquisito, tão pronto Zaninha e o comboio deram de rodas em Paraty. Choveu tanto que uma amiga da Zaninha quase morreu afogada na enxurrada, que descia dos morros de aluvião.

Por este motivo solene, por não ser possível pegar onda em Paraty, as amigas da Zaninha acharam por bem ir à outra cidade de praia, a linda Trindade. Ali foi, afinal, viável a todo mundo sentir o sabor de sal da água do mar verde, misturado ao azul do céu azul.

Zaninha levou, por baixo do short na altura dos pés, mal descobrindo o dedão maior, um biquíni de fazer Brigite Bardot se sentir uma muçulmana radical. Apenas entrou na água até a canela fina.  Foi quando um caranguejo mal encarado mordeu-lhe a panturrilha fininha como rabo de tatu bola.

Depois de duas horas de praia a turma achou melhor voltar a Paraty. Binha, sem contato com sua amada, lá esperava, fulo de raiva. Até hoje não se falaram. Talvez os dois, depois da saudade, e da falta um do outro, resolvam se mudar de vez para a casa nova. Fazendo um parêntesis, nunca é demais dizer que a risonha Zaninha dorme de calça comprida, além de cinto de castidade de ferro batido.

A farofa que a mãe da Zaninha levou como matula acabou virando comida de peixe espada.

Na viagem de volta o ônibus lotado não furou o pneu. Mas deu pane no radiador. Que esquentou tanto que pegou fogo nos assentos rotos.

Todos chegaram à Lavras mais ou menos sãos e salvos.

Hoje, treze de setembro, dia quente e abafado, ao me abanar sentir no ar um cheiro de farofa quente. Era a farofa que sobrou da viagem da Zaninha, que me adentrou pelas narinas, com aquele odor genuíno de saudade dela…

 

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