Também poderia chamar a cidade dos meus sonhos, quimeras, ilusão, fantasia, imaginação, visão.
Mas deixemos devaneios, o mesmo que sonho, quimera, ilusão, fantasia e por aí vai.
Nos últimos tempos tenho sonhado demais. Não tanto quanto anos atrás. A razão para tentar explicar este fenômeno, sucedido depois de certa idade, longe da mocidade, da criança que deixou o adulto suplantar a esperança, talvez resida num simples fato: hoje me sinto velho. Como um sapato gasto, de tanto rolar pelas ruas da cidade, dos campos, das viagens que tenho feito apenas digitando as teclas amarelecidas do meu computador, deixando impressos textos que falam de tudo, inclusive do desamor, sem deixar a saudade da minha querida Lavras olhando as estrelas, comunidade onde passeei quase a vida inteira, nas poucas ocasiões que daqui me ausentei, o melhor da viagem foi a volta pra casa.
Sempre caminhando, andando, correndo como uma tartaruga manca, quilômetros e quilômetros a fio, deixando minha caminhonetinha prata descansando debaixo da velha árvore que chora o desterro, por ser uma seringueira errante, plantada naquele lugar aprazível onde moro, agora pressinto uma mudança de ares. Se pudesse não mudaria dali, jamais. Mas a razão da minha mudança de ares, não por causa do ar que ali respiro, é um ar puro como as andorinhas solitárias que vagabundeiam pelos ares, reside no simples fato de querer passar mais tempo ao lado de um dos motivos do meu recente retorno à mocidade, na pessoinha risonha, por vezes parecendo séria, que responde pelo nome resumido de Theo. Meu primeiro neto é como meu primeiro amor. O mesmo amor que ainda me acompanha, tenta me fazer pisar o chão, mulher de diminuta estatura vertical e imensa envergadura moral, zelosa mãe, avó fresca, como o vento que assopra neste começo de primavera, tomara que os anjos digam amém.
Uma coisinha pequena me faz preocupar com a mudança de casa. Agora vou morar bem pertinho de onde escrevo. Onde exerço a medicina ainda enraizada dentro do meu eu.
Não vou poder descer ou subir a rua principal, naquele trajeto pelo mesmo passeio, quando corro vou pelo asfalto negro, desafiando a mordida dos carros, tentando fazer entender que a faixa de pedestre listrada deve ser respeitada, como se deve respeitar o idoso.
De tanto que ando pelas ruas, de tanto caminhar, de tanto gastar o solado dos meus incontáveis tênis, não economizo na compra desse andarilho macio, muito melhor que os sapatos de couro, pobre das vacas e seus maridos!
Durante estas viagens curtas, indo e vindo, sempre tomando cuidado por onde piso, evitando o lixo derramado, letreiros mal colocados, placas desterradas como a velha seringueira plantada defronte à janela do meu quarto, titica de cão vadio, ou até mesmo daquele cãozinho de madame que defeca na calçada, sem que sua dona, pessoa mal educada, despreparada, que não leva a sacolinha para recolher os dejetos, todos deveriam levar o lixo pra casa, observo, olhos e ouvidos atentos, detalhes pertinentes ao hábito de meus conterrâneos, exemplos que não se encontram em país desenvolvidos, povo desenvolvido é povo civilizado e limpo.
Depois de conhecer a fundo os passeios da minha cidade, quase todos os seus buracos, a má qualidade dos revestimentos, falta cimento, falta cuidado, sobram descasos, sobrenadam noções de incivilidade.
Foi então, no dia de hoje, primavera mostrando o sorriso das flores, depois de uma chuva abençoada, de pouca intensidade, caída durante a noite, quente, correndo e caminhando bem cedo, agora quase meio do dia, pensei, quase saído de um devaneio, ou sonho, ou quimera, talvez fosse uma ilusão, tão somente, tento confabular com o teclado claro do meu computador, que já mostra sinais de cansaço, qual seria a cidade ideal?
A cidade dos meus sonhos deve ostentar passeios imensos. Por onde não existissem espaço para os buracos, engolidores de calcanhares, formadores de acidentes.
Na cidade dos meus devaneios os carros apenas poderiam trafegar quase nunca. Seria de suas competências levar apenas pessoas que não pudessem deambular por elas mesmas. Mesmo assim, os cadeirantes, teriam nas vias públicas facilidades que hoje não encontram para seu ir e vir.
Nas cidades dos meus encantos, por que não dizer sonhos, devaneios e expressões equivalentes, não haveria cães vagando soltos pelas ruas. Eles, amigos confiáveis, mais que muitos iguais a gente, seriam hospedados em locais convenientes.
Na cidade dos meus sonhos todos teriam direito à saúde decente. Sem amargar a dura espera por um tratamento condizente.
Na cidade onde moro, onde todos gostariam de morar, deveria abrigar academias de ginástica em todos os espaços verdes. Ao invés do concreto sufocante, os edifícios que tentam tocar o céu e não conseguem.
Na cidade ideal para se viver, e conviver, a educação seria obrigatória, não apenas nas escolas, como também na casa da gente. É pela educação que se aprende a votar. Caso contrário se torna fácil entender o estado caótico por que passa o país.
Na minha cidade dos devaneios que quase se tornam quimeras os pássaros deveriam voar sem restrições. Não gostaria de fazer guerra aos pombos. Mas bem que tentaria limitar sua procriação.
Naquela cidade encantada, quase uma utopia, de ruas largas, anchas avenidas, passeios asseados, não tendo necessidade de preocupação onde fincar a sola dos tênis, com o verde se esbaldando de tão feliz, onde se congregam pessoas felizes, com a saúde de férias dos hospitais, onde a educação é levada às ultimas circunstâncias, jamais deveríamos deixar as escolinhas rurais ao abandono, é que gostaria de morar, viver, e conviver.
Pena que a cidade dos meus devaneios apenas exista nas minhas quimeras loucas…