Vale mesmo a pena?

Num momento de destempero emocional por vezes me questiono.

Vale mesmo a pena?  Não ficaria com pena de mim se fizesse isso e não aquilo?

Dúvidas me assaltam, sem armas empunhadas. Controvérsias me apoquentam.

Por que esquentar a cabeça se um dia a chuva vem. Ela tarda, mas não falta. Segundo minha experiência diz.

Bem sei que atravessamos um período longo de estiagem. As alterações climáticas nada mais são que pura verdade. Chove demasiado ali. Tempestades levam pessoas ao desabrigo. Enchentes nos atormentam. Conquanto a seca faz perder o sono o homem do campo. Já que outubro em sua metade assinala o tempo certo para o plantio.

Antes pra mim tudo valia a pena. Era um garotinho ainda. Calças curtas e idéias alongadas. Ao se aproximar o natal. Quase coincidente com minha data natalícia. Temia quando se avizinhava dezembro.

Pensava que, por serem datas tão próximas.  O bom Papai Noel, em acórdão com meu querido paizinho, para economizar alguns centavos, fossem me presentear com apenas um regalo.  E euzinho pensava ser merecedor de pelo menos dois.

Tudo valia a pena pra mim. Inclusive trocar de namoradinha.

Numa volta comprida no rela do jardim vi uma linda menina. Eu rodava com outra. Mas sem interesse nelazinha pensava naquela que olhava pra mim. Mas a mais bonita se fazia acompanhar de um coleguinha. Meu amiguinho de infância que o céu levou pra longe de mim.

Numa volta mais tardia fizemos um acordo de cavalheiros moleques. Trocamos de namoradinhas. Eu fiquei com minha preferida. E ele com a minha. Em troca acabei deixando em sua mãozinha esperta uma nota de cem cruzeiros. Ainda não existiam os reais. Valeu a catira? Pra mim valeu.

Agora, já mais crescidinho. Não tanto quanto desejava. Tudo pra mim vale a pena. Já que minhalma não é mais tão pequena.

Pra mim tanto faz se o rio escorre pro mar. Eles um dia irão se encontrar.

Da mesma forma que encontrei meu caminho. E esse me satisfaz. Mas se pudesse mudar, pra onde iria? Não mais sou criança. Nem mais jovem eu sou. Velho não me acho. Idoso não vaidoso, já que deixei a vaidade tempos atrás. Se pudesse mudar de vida qual escolheria? Seria feliz noutra vida? Não sei. Nessa me sinto em paz. Pois desconheço o outro lado dela. Não sei seu endereço. Não sei se lá em cima ou mais embaixo.

Tenho um amigo de longa data. Quase ou mais da minha idade. Fomos colegas de faculdade.

A mesma onde nos graduamos no distante um mil novecentos e setenta e quatro na linda Belzonte de antão.

Foi um dia desses que nos encontramos. Há anos não nos víamos.

Foi muito bom apertar-lhe a mão depois de um afetuoso abraço.

Não irei declinar-lhe a graça pra que ele não caia em desgraça junto a sua esposa.

Ele manifestou-me a insatisfação no seu consórcio depois de mais de cinquenta anos de união.

Ambos não se davam. Viviam às turras que de vez quando viravam surras que ela lhe dava com o cinto com fivela que lhe deixava marcas na cacunda que ia até as nádegas para não dizer bunda.

Ele, pobrezinho, só se assossegava nos braços de outra. Na própria morada não tinha paz.

Por sorte não tiveram filhos. Era um contra o outro. Num ringue de luta livre sem poder se libertar.

Aquela união já durava quase um século. Entre tapas e xingos o barco ameaçava soçobrar em águas rasas.

Meu amigo e colega dos verdes anos se abria comigo. Era uma confissão fora do confessionário.

Ele estava prestes a explodir. Sem ânimo para continuar vivo.

“E agora? O que faço? Temos mais de meio século de casados. Não nos damos mais. Nesse ano estarei quase chegando aos oitenta. Ainda me sinto jovem. Na cama com a outra sou como um jovenzinho com ejaculação precoce. Sonho com ela e tenho pesadelos pensando na minha esposa. Valeria a pena me separar? Seria feliz em outra vida? Me disseram que depois de certa idade devemos nos acomodar. Suportar o nosso fardo, por mais pesado que seja, em nossos próprios ombros. O que você pensa.”

Deixei o meu colega amigo pensando cá comigo.

Pegando carona na poesia de um grande poeta lusitano assim pensei e deixo escrito: “tudo vale a pena quando a alma não é pequena. Quem quer passara além do Bojador tem de passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu. Mas nele é que espelhou o céu.”

 

 

 

 

 

 

 

 

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