Fazer o quê?

Por vezes me questiono. Quando a ocasião enseja dúvidas.

Fazer o quê se a chuva não vem? Espera um cadinho que ela chega.

E, se ela cai demasiada e embarreia a estrada e não nos permite chegar ao nosso destino um grande desatino toma conta da gente. E de novo questionamos: “fazer o quê”?

Esse repetitivo quê. Que seja com chapeuzinho ou desprovido delezinho. Faz-nos matutar via de sempre. Fazer o quê?

Essa frasezinha curta.  Que pra mim denota resiliência ou sua parenta resignação. É sobejamente dita pelos homens da roça. Gente que faz troça se o tempo não ajuda. E ri mais ainda quando a vaca parida chega ao curral trazendo a cria já mamando. Um lindo gabiruzinho que vai virar linguiça, pois não tem futuro como reprodutor. Um exemplo bem elucidativo disso que vem escrito me foi dado  tempos idos.

Por um ex retireiro hoje jubilado cujo nome era Custódio. Pai de uma penca de filhos. Que comigo se aposentou depois de quase trintanos de trabalho folgado. Já que ele não era de carpir mato ou de foiçar o sarandi do pasto. Custódio era mestre em me passar noticias ruins.

As boas ele guardava pra si mesmo.  E trancava a mais de sete chaves.  Num baú escuro que só ele sabia o conteúdo.

Minhas lembranças escorrem até aquele malsinado dia. Era uma manhã chuvosa. Céu cinzento. Dia quando o sol relutava em sair. Escondidinho na cama em companhia prazerosa da lua cheia.

Naquela manhã cinzenta chamaram-me na cidade. Estava prestes a terminar uma operação na Santa Casa aqui pertinho. Não tinha intenção de ir à roça. Não era sábado véspera de domingo.

Do outro lado da linha ouvi a vozinha do Custódio.

“Doutor Paulo. O senhor pode dar um pulinho até aqui? Aconteceu uma desgraça. Não sei como te dizer”.

Naquela época distante tinha uma Variant de cor laranja. Era um veículo acostumado a enfrentar estradas barrentas ou empoeiradas. Nada impedia minha valente Variant de ali chegar. Era pau pra todo barro. Nunca atolamos na estrada seja ela qual fosse.

Cheguei em menos de meia hora. Ainda chovia mansinho.

Encontrei, naquela casinha tosca, uma cena de arrepiar. O filhinho mais novinho do Custódio e da dona Hilda. De nome Cladenir. Havia afogado e morreu aos dois aninhos, numa represinha rasa à porta da casa onde moravam.  Fui eu, sem cortejo fúnebre, que o levei na parte de traz da minha Variant até o campo santo de Ijaci. Depositei aquele anjinho num caixãozinho enfeitado com flores do campo.  Eram margaridinhas brancas de miolo amarelo.

Ainda me lembro de como  interpelei o Custódio. Logo à chegada com essa observação impertinente: “            Custódio! Como você deixou isso acontecer”?

Ele me respondeu. Com olhos rasos d’água: “doutor Paulo. Fazer o quê? Foi Deus que quis assim>”

Não tive como responder naquela hora ingrata. Guardei a resposta dentro de mim.

Noutro dia. Foi no sábado que se despediu. Chovera a noite inteirinha.

Preocupado com a estrada não fui a minha rocinha. Um dos poucos finais de semana que não pude ir.

Ao telefone comuniquei  ao meu caseiro Tom Zé que não iria. Tinha receio de não subir o morro devido ao barro viscoso que se acumulava na subida da estrada.

Ele, acostumado às intempéries do tempo me respondeu singelamente: “ fazer o quê? Na semana que vem o senhor vem”.

Hoje a chuva parou. Tá um sol de rachar.

Fazer o quê? Num é?  Mais tarde ela volta.

 

 

 

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