Não se assustem com o úrtimo.
Quando se está prestes a morrer qualquer desejo deve ser satisfeito. Inclusive transgressões de nossa amada língua pátria. Tida com a última flor do Lácio inculta e ainda bela. Tantas vezes vilipendiada nessa terra onde se plantando tudo nasce. Incluso falar estropiado. Agredindo palavras como se elas permitissem tantas baboseiras seguidas de asneiras. E quando se anda nas ruas se escuta de ouvidos atentos: “pronde nois vai memo”? E a gente segue cabisbaixo fingindo que aquilo deveria ser dito assim: “para onde nós vamos mesmo?”
Meu derradeiro desejo. Prestes a entrar na cova seria esse: “não seria permitido ficar por aqui por mais um tempinho”? Não sei o que diria o coveiro. Talvez ele ignorasse minha súplica. Já que uma vez chegada a nossa hora infelizmente não se deve protelar nossa partida. Nessa viagem às alturas não se pode usar um pára-quedas que nada vai atenuar a nossa queda. Já que se trata de um caminho sem volta.
Dona Izolina. Protagonista da minha história nessa madrugada de céu embrutecido. Parece que vai chover no espreguiçar de mais um dia. Era uma mocinha sonhadora que sonhava e quase delirava em se casar de véu e grinalda.
Mas vieram e sobrevieram anos e com eles desenganos.
Já na maior idade a linda donzela pensou em se deixar desvirginar com o primeiro pretendente. Mas na hora h faltou coragem e escafedeu-se da brachiaria. Já que a pastaria estava sequinha desde as chuvas passadas. Não chovia há quase um ano inteiro. A seca imperava por aquelas bandas.
Não faltavam pretendentes para aquela linda mocinha prendada.
Izolina, ainda mocinha, era boa na cozinha. Não fazia feio na arrumação da casa. Era um capricho só. Com seus cabelos louros e bem penteados. Com seu traseiro arrebitado. Com sua cinturinha fininha que permitia o abraço de uma fita métrica pela metade. Elazinha era um furor quando andava pelo rela do jardim.
Mas como tudo que reluz não tem a cor doirada ela foi perdendo a juventude. A fininha cinturinha foi engrossando. As perninhas, antes lisinhas, foram se enchendo de veinhas arroxeadas. A linda bundinha arrebitada foi caindo; quase até o chão.
A grande paixão de Izolina era um garotão forçudo e parrudo. De nome Antenor. Ele era cobiçado pelas garotas da praça. Mas diziam, as línguas de trapo, que mulheres não seriam seu sonho maior. Ele, em verdade, lançava olhares gulosos aos mocinhos de antão. Um garoto era de sua maior predileção. Cala-te boca maldita. Fica o dito pelo não dito.
Quase uma balzaquiana a já dona Izolina enfim tentou abocanhar o pretenso garanhão.
Mas quem diz que ele lhe deu bola? Ela passava, requebrava as cadeiras e nada de a ele inspirar e fazer suspirar.
O tempo passeava. Dona Izolina engordava anos. Colecionava macacoas com o tempo passando. Ora era o açúcar no sangue que aumentava. De outra vez a pressão subia às alturas. A barriga crescia. O traseiro ia caindo quase até o chão.
Mas a paixão que sentia pelo Antenor boyolão não decrescia nadinha de nada. Só subia e assobiava.
Aos quase noventa. Já na beirada da cova rasa como ela gostaria de ser sepultada.
Dona Izolina manifestou seu úrtimo desejo.
Na véspera do seu velório. Já de olhinhos cerrados. Dona Izolina deixou escrita sua carta testamento.
Ela dizia assim: “não me privem de conseguir realizar meus desejos. Sempre sonhei com ele. Amei-o até o final dos meus dias. Mas ele nem tchum pra mim. Tentei ir pra cama com ele. Era virgem, não apenas no signo. Estava intacta ainda aos quase cinquenta. Depois desisti de esperar e me dei. Foi duro pertencer a outro homem que não ele. Mas ele não me queria. Acabou se amasiando ao Serjão. Agora, que estou prestes a partir que me sepultem numa cova ao lado do Antenor. Se eu morrer antes não se esqueçam. Fica aqui meu úrtimo desejo.”
Assim foi feito. Bom desfecho.