Bem dizia meu saudoso pai

Daqui do alto, olhando pela janela, percebo, de longe, a casa onde eles moraram.

Agora dela só restam lembranças. Em seu lugar um prédio de médio porte está sendo edificado.

Ali passei os melhores anos de minha vida. Foi lá que passei minha infância. Aprendi a ter amigos. Essa rua ainda mora no mesmo lugar. Era onde moravam tios, avós, de sobrenomes Rodartes.

A primeira casa da rua era onde viviam meus avós. Hoje ali mora um prédio de mesmo nome de meu avô- Rodartino Rodarte.

Algumas moradas abaixo era onde vivia meu tio Rui. Que deixou  como herança o cartório agora está em mãos habilitadas de outro primo de mesmo sobrenome.

Essa rua não termina aqui. Casas ainda existem naquela rua agora bastante mudada. Lado a lado. Paredes a paredes, se juntavam a casa dos meus pais e de outro tio. O honorável causídico doutor Francisco Rodarte. Que perpetuou seu sobre ao filho que agora milita na mesma arte de defender ou acusar. Sempre pronto a ajudar. Bem me lembro do tio Chico. Meu primeira revisor. Quando sempre passava em sua casa à hora do almoço levando um calhamaço de textos para submeter aos seus olhos argutos.

A casa onde passei a infância era composta de uma sala ampla. Uma varanda que admirava a rua. Uma copinha onde tomávamos refeições. Uma cozinha anexa onde minha querida mãe cozinhava. Uma mesa de azulejos de várias cores. Um corredor nanico que unia os quartos. O meu e do meu irmão Fred era o derradeiro. Com vistas para outra rua. Indevassável aos olhares naqueles tempos bons. Agora a tal casa só existe em meus devaneios. E vai deixar em seu lugar saudades imorredouras. Que irão me acompanhar até o final dos meus dias até quando Deus quiser.

Ainda me lembro do meu velho pai no escritório do andar de baixo. Importunando a velha Facit com seu tiquetaquear constante. Fazendo petições inspiradas na advocacia. Por pouco tempo, infelizmente ele nos deixou prematuramente.

Como da mesma maneira trago dentro de mim algumas lições que dele aprendi.

Era um homem de uma lisura sem par. De gerente de uma casa bancária que leva o nome de nosso pais ele não se satisfez na aposentadoria. Logo jubilado abraçou a advocacia. Defendeu a justiça contra as injustiças. Deixou exemplos de dignidade e austeridade. Ele é lembrado sempre. Quando ando pelas ruas. E me param dizendo: “seu pai me recebeu no banco quando mais precisava de um empréstimo. E ele atendeu ao meu pedido com uma resposta como essa- sei que você vai pagar. Sei de sua idoneidade. Nem precisa de avalista”.

Um dia ele me disse. Um ano antes de sua enfermidade que o levou o leito de onde não mais saiu: “não se aposente nunca meu filho. O ócio é o começo do fim”.

De fato e de direito. Não pretendo me aposentar por completo. Um dia me jubilarei. Quando dependurar as chuteiras mudarei as travas. Irei transferir a bola para outra menor. Já que o tênis nunca pretendo deixar de jogar.

Outra lição que ele deixou pra mim. Já no seu leito de morte. Depois de uma insidiosa enfermidade que lhe ceifou a vida aos setenta e sete tão somente. Foi exatamente essa.

“Meu filho. Não se meta na política jamais. O meio é torpe. Um lamaçal onde nos afundamos sem querer. Por mais que tenhas ética ela se perde. Vai ser levado pelas más companhias. E vais acabar corrompido pelo estampido do fechamento das urnas. Por mais que queiras não vais poder dizer não aos cupinchas sanguessugas que te deram guarida. E vais ter de se submeter às desilusões de não poder fazer o que pretendias antes da eleição. Não se deixe levar pelo prazer de ter sido eleito. No próximo pleito talvez não venças de novo. E vais ter de amargar a derrota. Política entra em nossas veias e artérias como um ébrio saboreia uma cachaça que jurava nunca mais provar e sentir o gosto. Não se deixe inebriar pelo urro que ecoa dos palanques. Seus discursos serão esquecidos não somente por aqueles que fazem parte do seu partido como pelos seus adversários. Não se iluda pelos tapinhas nas costas pois um dia, quando menos esperas, eles irão te esbofetear. Não entres nunca nesse atoleiro pois um dia vais ter lama pelo pescoço e não vais ter como sair jamais”.

Bem o disse meu saudoso pai. E eu acabei aprendendo.

 

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