Bendita segunda feira sete de outubro.
Dizem que só depois do carnaval o ano começa.
No meu entender também digo que somente no fechar a boca desdentada das urnas o ano, quase findo, mostra seu sorriso anunciando um novinho que está por vir.
Adeus as propagandas esquisitas naqueles horários quando a gente muda de canal em vão. Lá vêm eles de novo com aquelas carinhas de santo de pau bichado. Prometendo mundos sem fundos. Como se pudessem mudar as coisas. Nesse lamaçal de contravenções em que quase nos afundamos.
Em quem votei já deixei escrito. Foi num tal de Pirulito que bate e rebate. Aquele que se alardeava honesto até que se provasse o contrário. No dia do pleito ele foi preso por desrespeito. Acabou pilheriando com uma das mesárias. Uma garota linda que nada usava por baixo da saia. E ele, atrevido, quase um bandido, insinuou aquilo que não sabia. Passou a mão boba no traseiro dela. Evadiu-se pela janela. E foi preso do lado de fora. E acabou perdendo a iiberdade por pura libertinagem. Dando adeus a vida linda aqui de fora.
Nessa manhã ensolarada ainda cedo. Nada de chuva a se mostrar lá no alto. Preparava-se para mais um dia de trabalho o compadre de muitos anos. Ainda me lembro do seu casório com a linda até hoje comadre Dorotéia. Embora vesga e magricela tivesse dotes de formosura que somente ele via. Pois não enxergava bem. Ele assina Ambrósio da Silva Santos. Nome esquisito sabido e ressabiado.
Não tem gente mais trabalhadora que ele.
Acostumado à lida dura do campo. Enxadachim de primeira. E foiceiro de causar espanto em assombração. Ambrósio da dona Dorotéia não era de deixar para depois o que tinha de ser feito agora.
Exibia na cara enrugada mais de cem anos de estrada. Cabeludo no andar de baixo. Lisinho na carequinha luzidia. As pernas conservava rijas como um cabo de machado com mais anos de lida que mal se lembrava de quantas árvores havia cortado.
Precisamente as cinco deixava a cama. Antes das seis já estava no curral. As sete, já com o leite no tanque de expansão esperava, impaciente, a chegada do caminhão leiteiro. Antes das dez já havia roçado a pastaria e banhado o gado contra carrapatos e bernes.
Era um trabalhador contumaz e consumido pelo serviço rotineiro de sua rocinha amada. Dali só iria sair dentro de um caixão. Dizia ele.
Foi naquela segunda sete que por ali passei. Era quase meio dia.
Encontrei meu compadre num cochilo gostoso à sombra de uma amoreira. Ele ressonava alto. Dona Dorotéia dormia ao seu lado.
No alto sol gritava. Nenhuminha nuvem se atrevia a tapar-lhe a boca escancarada e iluminada. O astro rei reinava soberano naquelas plagas.
Esperei uns minutinhos para palrar com ele. Há tempos não o via.
Meu relógio buzinava quase uma da tarde. Tinha de voltar pra cidade.
Enfim Ambrósio acordou. Meio sonolento ainda.
Esticou-me a mão direita e se levantou num ímpeto.
Gostaria de saber qual o seu candidato na eleição de domingo. Se ele havia votado segundo seus critérios.
Ambrósio me convidou para um dedo de prosa ali mesmo. À sombra da velha amoreira.
“E vosmecê? Votou ni quem? Euzinho no Zé Ninguém. Ah! Pra mim tanto faz como tanto num fez. Quem vai pagar minhas contas? Quem vai tratar das minhas vacas? Quem vai acordar cedinho para tirar leite? Quem vai fazer minha comida? Ah se não fosse a Dorotéia. Quem vai capinar minha horta? Que beleza estão minhas alfaces. Votei sim, pois tinha de votar. Se não votasse perdia meus direitos de cidadão. Mas, se não fossem minhas mãos caludas não sei o que seria da gente. Os tais candidatos são indiferentes. Aqui comparecem só na véspera das eleições. Depois de eleitos viram a cara pra gente e dizem que sempre estão em reunião quando vamos à prefeitura a procura de melhoria das nossas estradas. E os tais vereadores ganham bem mais que deveriam. Se quer saber nem sei em quem votei. Penso ter votado no branco. Embora alguns pretos podem ser muito melhores. Pra mim os tais políticos não fedem nem cheiram. Prefiro o cheiro de flores do campo num lindo jardim florido”.
Despedi-me do compadre Ambrósio pensando iguarzin ele memo.