A gente vai embora

A mais inquestionável certeza tem o nome de morte.

Um dia iremos embora.

Chega a hora em que nada se tem a fazer a não ser nos despedirmos.

Não se trata de uma despedida quando se diz: “em breve estarei novamente por aqui. Vou matar as saudades do tempo em que me ausentei. Não vejo a hora de te abraçar novamente. Conto as horas, dias, meses, e até mesmo um ano inteiro. Ao final desse tempo voltarei.”

A gente um dia parte. Uma partida sem direito a retorno. Não num ônibus que deixa a rodoviária na hora marcada. Levando em seu bojo aquela garotinha que queria avoar num vôo solo. Com suas asinhas ainda despreparadas; frágeis e inseguras. Mesmo sabendo que a sua morada sempre estaria de portas abertas para acolhê-la de novo.

A gente um dia vai embora. Em má hora fecharemos nossos olhos rumo a um destino incerto. Quem saberia nos dizer que nesse lugar iremos encontrar nossos entes queridos? Existiria em verdade vida depois dessa? Uma incógnita que somente iremos desvendar quando formos definitivamente embora.

Um dia chega a hora de nossa partida. Essa viagem não se trata de férias para um descanso merecido. Não se resume em afivelar as malas. Em dizermos até no mês que vem. Quando voltaremos a nos encontrar.

A gente um dia vai embora. Por isso viva e deixe as amarguras de lado. Não compensa viver desassossegado. Numa intranquilidade manifesta a cada hora. Ria mesmo sem vontade. Bota pra fora seus ressentimentos. Brinque com seus netinhos como se ainda fosse criança. Presenteie. Não guarde dinheiro. Viaje, que seja de ônibus ou até mesmo nas asas da imaginação. Se não puder pagar avião avoa assim mesmo. Bata suas asas. Sem medo de ser feliz.

Um dia a gente vai embora. Por isso, antes de sua partida definitiva, abrace. Não apenas os amigos como os desconhecidos. Se faça de insano numa louquice que extrapola a normalidade. Quem pode afirmar, com exatidão, quem em verdade é louco e quem não padece dessa enfermidade?

Um dia a gente vai embora. Sem hora marcada a gente parte. Sem se anunciar a morte chega. Sem falar nada ela diz aos nossos ouvidos: “fique preparado. Não se vive para sempre”.

A única certeza que trago comigo é que a gente vai embora. Sem direito a retorno na estrada da vida.  Numa mão única em direção ao nada. Não existe contramão para retorno. Sem direito a choro nem derramar de lágrimas.

A gente um dia vai embora. Mais cedo no mais tardar das horas daqui nos afastaremos. E, naquele lugar pra onde iremos, não se tem de levar nada que ajuntamos. Fica por aqui nossa conta bancária. Se polpuda ou não dá no mesmo. Os boletos não têm de ser pagos no céu ou na escuridão lúgubre onde moram os diabinhos encapetados. Existe céu e inferno? Ainda desconheço e não pretendo conhecer tão cedo.

A gente um dia vai embora. Uns mais prematuramente. Outros mais longevos. Daí curta a vida como ela merece ser vivida. Não se acanhe em dizer “eu te amo”. E não se avexe quando precisa dizer “te quero longe”.

A gente um dia vai embora. Aproxime-se de quem te acrescenta alguma coisa boa. Afaste-se de pessoas negativas que só lhe trazem desgosto.

A gente um dia se despede. Por isso dispa-se de suas roupagens de grife. Pois quando se apresentar, seja na porta do céu, ou na escuridão do outro lado, não irão querer saber se eras rico ou pobre. Não se levam posses pra onde iremos morar na eternidade futura.

A gente um dia vai embora. Sem direito a choro nem vela. Apenas seremos velados num velório qualquer ou incinerados num forno crematório. A decisão não nos cabe. A nossa ausência apenas vai ser sentida dias depois. E seremos olvidados por quem dizia que nos amava pra sempre. Não existe para sempre. Melhor dizer pra alguns dias somente.

Um dia a gente parte. Sem sequer direito a comprar bilhete de volta. A morte não nos permite retorno. A partida é definitiva. Não se volta de onde iremos. Reencarnação? Pra mim só se for no ladrar amigável de um cão.

A gente um dia vai embora. Espero deixar como legado minhas obras literárias. Meus romances tomara continue a escrever do outro lado da vida. Minhas crônicas deixarei a vocês. E quando estiver de partida indago: “quando eu morrer, quem irá escrever sobre mim”?

A gente um dia vai embora. Um dia depois do meu sepultamento serei solenemente esquecido. Nem se lembrarão que fui médico especialista em vias urinárias. Que perdi preciosas noites de sono reoperando pacientes impacientes que se levantaram no pós operatório imediato de cirurgias de próstatas hipertrofiadas.

Sei com certeza que um dia a gente vai embora. Não sei quando vai ser a minha hora. Só desejo saber sobre o dia e a hora de agora. O resto deixo pra depois.

 

 

 

 

Deixe uma resposta