O “Pra mim tanto faz”

Lá longe Israel bombardeava o Líbano. E em contra ataque o Irã lançava mísseis sobre Israel.

O Oriente Médio estava conturbado. Uma guerra iminente ameaçava a paz em todo mundo.

Aqui em baixo as eleições se avizinhavam. Domingo próximo iríamos ter de votar. Em quem? Ainda estou indeciso. Se voto no Tião Lamparina ou na linda Dorotéia das pernas finas. Se por acaso de um descaso ela engrossasse as pernas decerto votaria nela. Ou na sua prima Josefina. Que fala com sua voz fina e alta. Prometendo trazer chuva miúda.

Mais distante a Rússia e a Ucrânia se engalfinham. Não sei até hoje quem está com a razão. Se o tal Putin invasor ou seu oponente defensor. Não sei e não quero saber qual seria o desfecho dessa contenda. Pra mim não fede e não cheira. Prefiro o odor de flores do campo. Depois de uma chuva mansa que molha a terra e deixa a estrada enlameada.

Por todo lado pipocam coisas que me desagradam. Mas prefiro ficar de fora alheio a esses problemas. Quietinho no meu canto. Para não perder o encanto do canto do sabiá laranjeira cantando no pé de jabuticaba. Ou o mugido das vacas de saudade das suas crias uma vez apartadas.

Dessa maneira me recebeu o Juvenal.

Na sua paz costumeira ele pitava um paiero apagado. Assentado nos seus calcanhares. Ao fim do dia numa tarde gostosa.

Nada lhe apoquentava. Se a enxurrada descia pra baixo ele nem tentava mudar o curso do rio. Aliás, rir pra ele não era novidade. Fosse num velório concorrido ou num arrasta pé vazio.

Juvenal era a paz numa guerra finda.

Era hora de descansar depois de um dia cheio. Ele acordou bem cedinho. Dormiu um soninho leve depois de esquentar a janta na trempe ainda fumegante do fogão a lenha.

Tirou leite da vaca assentado naquele banquinho tosco. Deu de comer as galinhas se não elas não iriam botar.

Capinou a horta de couve cheinha de tiriricas. Enxotou alguns porcos que fugiram do chiqueiro. Já passava das sete da noite quando ele chegou a casa. Céu escuro meio azulado.

Sem sinal de chuva no alto do morro.

Foi quando me achegei pertinho dele. Juvenal cochilava sonolento.

Não querendo perturbar seu sossego esperei um cadiquinho miúdo.

Ao final de meia horinha ele ressonava ainda. Com a boca aberta mostrava sua banguelice desdentada.  Faltavam meia dúzia de dentes. O resto carecia ser arrancado.

Enfim ele acordou de repente. Espreguiçou-se e abriu seus olhinhos vesgos.

“E ai Juvenal. Como tem passado? Vai de bem ou de mal? Já sarou da catapora? E sua barriga melhorou? Tá sabendo das novidades? Já sabe em quem votar? A guerra lá fora está prestes a estourar. A crise nunca esteve tão evidente. Tem gente que está vendendo o almoço pra não passar fome. E outros, pobres desempregados, agora moram nas ruas dormindo ao relento. E as queimadas? A seca vai de mal a pior. Se piorar a situação desse mundão não sei o que vai ser da gente. Vosmecê não se preocupa”?

Juvenal coçou a barbicha e resmungou qualquer coisa.

Não é à toa que a ele apelidaram de “Pra mim tanto faz”.

“Ah! Ocê que memo sabê? Tô nem aí. Se o fulano for eleito vai mudar alguma coisa pra nois? Se por acaso cair uma bomba aqui que seja uma bombinha que nem traque. Pra mim o que conta é ter minhas vacas de bucho cheio. O preço do leite subir. A chuva cair. O pasto verdejar. As jabuticabas ficarem madurinhas. Ouvir o galo cantar e me acordar bem cedinho. Tomar meu cafezinho com pão de queijo que só eu sei fazer. Receita de minha avozinha. Se ocê se preocupa muito com as noticia acaba perdendo o sono. O que me importa é da minha porta pra dentro. O resto que se danifique e euzinho fico em paz”.

Despedi-me do amigo Juvenal desejando a ele toda a paz do mundo. Mesmo sabendo que a guerra urra lá fora.

 

 

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