Nada mais tenho a perder

Antes, tempos passados, só tinha a ganhar.

Embora ganhasse idade a vontade de ficar mais velho me assediava.

“Que bom chegar aos dezoito anos!” Dizia eu ao me olhar no espelho. Embora espinhas se mostrassem na minha pele lisinha não me importava.  Espremia com meus dedinhos contrariando ao que minha mãezinha dizia. E elazinhas logo desinchavam. Mas em seu lugar apareciam cicatrizes que perduram até nos dias de hoje. Mas euzinho, não vaidoso, pouco me lixava para aqueles caroços vermelhos. Um deles foi espremido por minha namoradinha. E não doeu tanto quanto a vergonha que passei.

Ganhava presentes. Tanto de aniversário como de natais passados. As duas datas eram vizinhas. A primeira no dia sete de dezembro. O natal na véspera de vinte e quatro pra vinte e cinco.

Ganhava idade e com elas o juízo. Era um jovenzinho ajuizado. Bom aluno, comportado.

Já na maior idade me decidi pela medicina. Ainda me lembro de nossa colação de grau. Ganhei, naquela ocasião festiva, precisamente no dia oito de dezembro do ano de um mil novecentos e setenta e quatro. Um brilhante anel de formatura, presente do meu saudoso pai.

Sempre o trago no meu dedo minguinho da mão esquerda. Não me desvencilho dele assim como do meu passado.

Fui ganhando anos. A idade me tomando pelas mãos. Embora não tenha medo de ficar velho quase não me olho no espelho. Ele, alcagueta malcriado. De vez em sempre me diz: “veja como você se parece a um avô. Se deixar a barba crescer vai ficar igualzinho ao Papai Noel. Seus cabelos, os que ainda têm, mais parece um campo nevado. Sua calva da para decolar um avião de grande porte. E sua barrigona esconde um defunto morto”.

Sei que estou envelhecendo. Colhendo anos e me aproximando do juízo final. Mas quem diz que não me sinto bem deve estar em seu imperfeito juízo. Sinto-me como uma criancinha tomando a sua primeira vacina choramingas como era. Velhos todos seremos um dia.  Considero um privilégio, pois muitos param no meio do caminho.

Tenho um amigo de nome Arnaldo. Ele em muito já passou dos oitenta. Contabiliza quase noventa. Ainda em seu juízo perfeito ele não se da conta em qual idade se encontra. Quando lhe perguntam os anos ele responde: “pra que você quer saber? Tenho os que me bastam. O bastante para não me sentir velho. Estou ciente da minha idade. Ela a mim interessa. E a mais ninguém”.

Concordo com Seu Arnaldo.

Um dia, em prosa com ele. Aprendendo com sua sabedoria. Foi mais ou menos assim. Seu Arnaldo estava prestes a ter um cochilo. Ele dorme cedo e acorda sempre em plena madrugada. Tem o sono curto. E a memória afiada.

“Sei que já colecionei muitos anos. Meu passado está recheado de histórias. Não sei e não quero saber quantos anos mais eu tenho de vida. Vivo o dia de hoje e olho de vez em quando em direção ao passado. O futuro pra mim não tem futuro. Ele não me pertence. E sim a um deus superior. Ainda não perdi a memória. Sinto-me lúcido como dantes. Já perdi a noção de tempo. Pra mim o tempo passou e não retrocede mais. Já perdi metade dos dentes. E como eles me fazem falta. Não uso dentadura, pois ela me incomoda. Não ando na moda. Me visto de qualquer jeito. Um dia perdi a vergonha. Era uma tarde gostosa. Numa das voltas no jardim dei de olhos numa linda garota. Pensei que ela olhava pra mim. Me arrisquei dando um abraço nela. Recebi de volta na face uma bofetada. Foi a primeira e única vez que perdi a vergonha. Mas outras se sucederam. Um dia perdi a direção. Andava por uma rua escura. Era noite alta. Consegui voltar pra casa graças a ajuda de uma pessoa amiga. Ela me fez pensar que quando se perde nem sempre se pode voltar sozinho. É preciso ter ajuda de um amigo. Já perdi meu guarda-chuva. Mas ele não fez falta, pois naquele dia não choveu. Já me perdi em tantos caminhos. Mas de repente acabei encontrando o meu. Ainda não perdi minha vontade de viver. No dia em que isso acontecer, por favor, deixem-me partir”.

A vida é uma sucessão de perdas e ganhos. Um dia a gente perde. Noutros se revezam os ganhos.

Eu não tenho muito a perder. Já ganhei tanto que só tenho a agradecer.

 

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