Já defini o meu voto

Antes estava indeciso. Dizia o tal Zé. Apelidado de Ainda bem.

Ainda Bem foi uma alcunha que lhe puseram desde quando de menos idade. Já aos doze anos. Jogando futebol. Num campinho de várzea. Canela dura e não menos ruim de bola. As garotas daqueles tempos não lhe davam bola. Por ele ser mais feio que urubu banguela desdenhando da carniça por não usar dentadura e não conseguir mastigar aquela carne dura. Zé crescia sem espichar um cadiquinho. Era nanico como um pé de jiló atrofiado. Zé, alcunhado de Ainda Bem, tinha o costume de sempre usar essa expressão a toda hora. Quando a coisa ia mal ele sempre dizia: “ainda bem. Um dia vai melhorar.” E num é que a coisa ia de mal a pior?

Aproximavam-se as eleições. De aquele dia a mais alguns deveríamos eleger aqueles que iriam nos governar pelos próximos quatro anos.

Enfim iríamos nos livrar daquelas carinhas de pseudos santinhos que aparecem nos horários gratuitos na televisão. Nunca se viu ou ouviu tantas promessas mirabolantes. Tantas caras e bocas falando cada besteira. Tanta asneira junta que se juntar não cabe num caminhão lotado de lixo. Ainda bem que só restam alguns dias para nos livrarmos de tanta idiotice. Nunca se usou tanto o controle remoto. Mudar de canal me parece coisa normal.

Zé Ainda Bem andava de um lado pro outro na sua inquietude sem saber em quem votar.

Uma vez se decidiu por um vizinho de rua. Seu nome era Zé dos Aflitos. Pessoa acima de qualquer suspeita até que se provasse o contrário. Um feio dia o pilharam afanando abobrinhas numa feira. Ele se fez de inocente. Até que descobriram que o tal Zé revendia as tais abobrinhas por um preço muito aquém de camarada.

Noutro dia ele acabou trocando seu voto por duas dúzias de ovos caipiras. Mas a maioria deles estavam chocos. E na hora da eleição acabou por votar na dona de uma cantina que falsificava refeições e embolsava a grana dizendo ser fruto de seu trabalho. E ela acabou sendo eleita. Mas não cumpriu suas promessas. Como a maioria que se elege e da uma banana aos seus eleitores.

Zé andava descrente da política até que apareceu. Do nada. Com a mão na frente e a outra do ouro lado. Dizendo que iria mudar o mundo cada vez mais imundo fedendo a podridão do esgoto. Esse candidato se chamava Zé Ninguém. Ninguém sabia de onde ele tinha vindo. Mas esse Zé parecia ser coisa boa. Vestido a caráter num terninho azul escuro. Com uma bíblia debaixo do sovaco cabeludo. Pregando lições de honestidade com sua boca falante. Subindo nos degraus da escada. Ele sim prometia mudar a face da política até então em uso. O tal Zé Ninguém parecia um sujeito de bem. Mais liso que gato ensaboado. Pregador dos bons costumes. Enquanto ele subia nos palanques a platéia aplaudia de pé mesmo assentada.

Zé, o outro apelidado de Ainda Bem. Ao assistir a pregação do outro Zé acabou se encantando com ele. Quem sabe ele seria a salvação da lavoura naquela seca brava. Onde as vacas morriam de inanição por não terem capim pra mastigar. Zé Ninguém prometeu trazer chuva em baldes enormes. Assoprar nas nuvens um chorume de água. E dar de comer aos cães de rua e adotar a maior parte deles.

Eis que chega, ainda bem, o dia seis de outubro. O dia do voto dos devotos.

Na boca escancarada das urnas distribuía santinhos o cabo eleitoral Zé Ainda Bem. Ele foi convencido, a peso de uma boa grana, a votar e fazer campanha a favor do candidato Zé Ninguém. Ele, melhor que ninguém, seria capaz de roubar menos. Já que ele tinha esvaziado os cofres de outra comarca. Onde tinha residência não fixa. De vez em quando passava por ali.

No dia seguinte, quando se apuravam o resultado as urnas. Que não eram funerárias. O resultado não foi outro senão a não eleição do Zé Ninguém.

Já o outro Zé, o Ainda Bem, dizia ter votado na Margarida da zona do alto meretrício. A qual foi a mais bem votada para vereadora. Pois todas as suas putas votaram nela. E seus amados amantes não poderiam dizer o contrário. Caso contrário não seriam bem recebidos por suas digníssimas esposas.

Quando indagado em quem havia votado o Zé, Ainda Bem. De cara dura dizia. Fora da boca das urnas.

Já havia decidido em quem votar bem antes. Não seria nunca no Zé Ninguém.  Nem ao menos na Tiana da dona Sebastiana. No Zequinha Carijó muito pelo contrário. Escolhi a dona Margarida num dia quando fui visitar sua zona. Ela me fez jurar que não fui lá. E num é que apreciei?  E se não votasse nela me arrependeria amargamente. Devo e não nego. E pago aquela deitada quando puder.

 

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