Mal sabia por onde começar

O dia começou acinzentado. Nuvens negras tapavam a boca do sol.

Naquela rocinha erma Pedrinho acordou sonolento. Bocejou esfregando os olhinhos anuviados de sono.

Saltou da cama mais tarde que de costume. O relógio de cabeceira assinalava exatas cinco da manhã. Era começo de primavera.

Do lado de fora da janela o galo cantou. Acompanhando por uma orquestra desafinada de galinhas suas princesas consortes. Elazinha anunciavam orgulhosas o ovo recém posto no ninho.

Pedrinho deixou seu quartinho disposto como sempre. Era ele quem ajudava ao avozinho querido nas tarefas da rocinha onde viviam felizes na medida certa do que seja felicidade. Qual seja uma vida desprovida de vaidade. Morada da simplicidade. Sem se importarem com a dureza do mundo ao derredor. Desfrutando das benesses da mãe natureza. Quase intocada naquele rincão distante. Onde a cidade mais próxima distava algumas léguas de lonjura.

Pedrinho foi criado e bem pelo avô. Filho de pais separados que viviam às turras na cidade. O menino, ainda novinho, foi apartado dos pais quando ainda contava com cinco aninhos. Desde então, seu amado avô, rijo como o cerne da amoreira, uma árvore rústica que ainda resistia às intempéries do tempo, ao seu neto único dedicava uma dose bem medida do que seja o verdadeiro amor.

Eles eram um pelo outro. Viviam naquele paraíso imaginário. Repleto de árvores de rica sombra. Onde um riacho de águas cristalinas corria serelepe cheinho de lambarizinhos de rabinhos vermelhos. Que não mordiam a isca ariscos que eram.

Pedrinho foi acostumado ao trabalho pesado desde muitos anos. Tarefa que fazia com gosto. Só dando alegria ao avozinho. Que enviuvou no verão passado.

A primavera entrou num secume sem igual. Não chovia há meses. O fundo do açude mostrava girinozinhos que nunca iriam chegar a sapos adultos.  Os pés de jabuticabas naquele ano não iriam ver suas filhinhas jabuticabinhas madurinhas. A serem disputadas pelos meninos com marimbondos e maritacas palradeiras.

Ao menino Pedro eram reservadas as tarefas de cuidar da horta de couve. Lavar o curral depois da ordenha. Apartar as vacas dos seus bezerrinhos. Dar de comer a porcada faminta. E ainda procurar os ovos das galinhas caipiras antes que eles fossem devorados por um gambá comedor de ovos.

O que ele fazia com o melhor dos sorrisos. Na parte da tarde ele ainda ia à escola. Que da porteira se mudou pra cidade. Era um bom aluno. Respeitador e comportado. Sempre elogiado pela diretora. Uma senhora austera de semblante carregado pelas dificuldades da vida.

Naquela quase madrugada, em que Pedrinho perdeu a hora. Logo deixou sua casinha modesta a procura do querido avozinho.

Já bem o sabia as incumbências que lhe eram devidas. Na cozinha tomou um cafezinho requentado com uma broa de milho recheada de queijo.

Lavou o rostinho sonolento na água fria da pia para espantar o sono. Vestiu, nos pés descalços, a velha botina gomeira presente do amado avô.

Já sabia, de antemão, quase tudo que lhe era devido. Lavar o curral. Tratar da porcada faminta. Procurar os ovos escondidos no ninho ao pé da goiabeira. Mas havia se esquecido de algumas coisinhas mais.

Atarefado mal sabia por onde começar. Saiu às tontas da cozinha procurando o avozinho. Encontrou-o já depois da primeira ordenha. Com o leite tirado e as vacas apartadas de suas crias.

Um tanto preocupado com a demora em deixar a cama. Foi logo perguntando ao seu querido avozinho por onde iria começar. Delezinho ouviu essa resposta ao pé do ouvido: “quer mesmo saber? Comece pelo começo”.

Desde então nunca mais Pedrinho perdeu a hora.  E termina assim a nossa história.

 

 

 

Deixe uma resposta