Há tempos um vendaval de ideias tem me assolado a imaginação.
Afinal faz quase cinquenta anos quando aqui cheguei. Uma vida inteira quando me graduei em medicina. A Urologia a tenho comigo desde um mil novecentos e setenta e seis.
Fazendo as contas. Somando ou diminuindo. Seria de bom alvitre manter minha porteira aberta?
Fazer contas nunca foi de minha predileção. Pelos números não tenho a menor simpatia como nutro pelas palavras um chamego sem igual.
Aqui, na minha oficina de trabalho, passo metade do dia. Antes passava mais.
Se por acaso de um descaso fechasse as portas quem sabe estaria no lucro?
Somando-se o valor do condomínio. Ao salário que percebe a querida Zaninha. Acrescendo-se os encargos sociais. E as indevidas taxas de manutenção desse prédio imponente onde refugio no despertar das manhãs. A soma se eleva a estratosfera. Não sei quanto exatamente tenho de desembolsar. Deixo ao contador essa incumbência nefasta. Deve somar a alguns trocados. Que trocados em miúdos eleva-se a uma soma que poderia economizar.
Mas quem diz que estaria feliz aposentado por completo? Passar horas vazias numa prosa ruim numa pracinha qualquer. Meu saudoso pai sempre dizia: “não se aposente nunca meu filho. O ócio é o começo do fim.”
Atividade diuturna me impede de envelhecer. O exercício continuo alonga o meu viver.
Se porventura de uma desventura fechasse minha porteira onde iria escrever? E adonde poderia atender os consultantes que ainda me procuram? Na mesma demão onde me refugiaria nas madrugadas quentes como essa? Daqui do meu sétimo andar posso passar uma vista dolhos pelo meu passado. É só virar os olhos pela janela mantendo-a aberta para deixar o sol entrar.
Ainda me lembro do meu amigo Geraldo da dona Nega. Um senhor já bem andado em anos que mora numa rocinha vizinha a minha.
Ele ali reside só. Atenua sua solidão na companhia de algumas vaquinhas mestiças e meia dúzia de galinhas poedeiras.
Um dia a ele propuseram fechar a sua porteira. Ofereceram-lhe uma soma generosa por sua propriedade. Ele até que pensou no assunto. E quase fechou a sua porteira. Salvou-o de perder seu paraíso a minha opinião. “Geraldo, o que você vai fazer na cidade? Com certeza não vai se acostumar a nova realidade. Não venda a sua rocinha. O que vai ser de você sem suas vaquinhas”?
E não é que ele aceitou o meu palpite? Continua ali feliz com sua porteira fechada.
Da mesma forma, pensando no assunto, talvez não seja prudente fechar a minha.
Ainda estou longe de me jubilar por completo. Sou aposentado ao meio. Metade de mim escreve. A outra metade continua urologista.
Fazendo as contas talvez leve vantagem econômica fechando a minha porteira. Mas o que vai ser de mim se não tiver mais onde me esconder? A quem vou doar esses meus computadores? E meus peixinhos aquarianos por certo não irão sobreviver fora de minha companhia. E minha adorável Zaninha não vai ter com quem prosear.
Se porventura de uma desventura fechar a minha porteira não mais poderei dar uma passarinhada dolhos pelo meu passado. Essa vista maravilhosa vai sumir de minha visão.
O que vai ser de mim sem meus livros que aqui esperam ser lidos por algum interessado. E minhas crônicas que tanto me fazem bem.
Se por acaso lacrar minha porteira não terei mais uma morada a ser compartilhada por meus pacientes. Que podem ou não apreciar meus escritos.
Se um dia fechar minha porteira talvez tenha algum lucro. Mas o lucro maior o tenho nos comentários sobre meus textos. É aqui, dentro da minha porteira, que escrevo tanto.
Se fechá-la, algum dia, seria infeliz como meu amigo Geraldo. Que quase se mudou pra cidade. Salvo por uma opinião minha.
Recuso-me a fechar minha porteira. Por mais que a prudência me intime.