Por vezes o melhor interlocutor é o silêncio.
Se meter em discussões que nada dizem nunca foi do meu agrado.
Desagrado só de pensar nas vezes em que eu. Jovenzinho ainda. Naquela turminha de bagunceiros. Depois de uma aguerrida partida de futebol. Não apenas vandalizávamos tudo que passava a nossa frente. Como se não bastasse tamanha arruaça alguns arruaceiros se metiam em brigas. Cujo desfecho não era nada saudável. Muitos eram presos. E de olhos roxos voltavam a casa sob a tutela de bordunas dos guardas.
Discussões acaloradas em nada atenuam o calor dos verões. Somente me fazem pensar no quanto a natureza humana vocifera indevidamente. E querelas não levam a lugar nenhum. Melhor ficarmos em nosso canto para não perdermos o encanto que se mostra num lugar isolado. Perdidos no meio do nada. A admirarmos o silêncio das madrugadas. O farfalhar das asas dos beija flores osculando flores. Ou o pousar das borboletas que vivem tão pouco. Mas o seu viver não só nos enfeita a vida. Como nos ensina que tudo tem sentido. Até mesmo a falta de sentimento que faz da gente meros personagens desse mundo tão lindo que a insensibilidade nos turva a visão.
Já tive memoráveis discussões. Sobre política, religião, futebol me esquivo delas.
Assuntos que não me dizem respeito prefiro não opinar. Falácias, alardear feitos sobre a vida de terceiros, não me faz bem nenhum. Sobre literatura, ai sim. Prosa boa pra dialogar.
Ainda menino. Assentado à primeira carteira da sala de aula. Durante a aula de matemática não desviava meus olhinhos inquiridores das pernas lisinhas da professora.
Já no mais tardar da vida. Uma vez na faculdade de medicina. Na sala de anatomia imperava o silêncio. Um odor nauseabundo de formol nos empestava as narinas. Quase nada falávamos. Aprendíamos com os mortos como salvar vidas.
Nos tempos de hoje prefiro o murmurinho do silêncio. Uma música suave no fundo embala meus escritos.
Afasto-me de discussões acaloradas. Prefiro o calor das chamas acesas por debaixo das trempes de um fogão a lenha.
Meus peixinhos aquarianos não falam nem emitem ruídos. Simplesmente nadam. São os interlocutores ideais quando não se toleram discussões.
Num dia. Penso ter sido no ano passado. Ou antes, mesmo.
Num dia quanto tudo me aborrecia. Não me lembro bem o motivo.
Tentando ficar isolado de tudo e de todos. Era um sábado confesso.
Acabei indo até minha rocinha.
Pensava ser ali que iria encontrar enfim meu isolamento assaz procurado. Perdido na imensidão do nada. Ouvindo apenas e tão somente o mugir das vacas e o cantarolar dos canarinhos da terra ciscando o esterco do curral.
Ali cheguei ao fim da tarde, quase noite. Estava solitário. De bem comigo mesmo.
Não queria prosa. Apenas curtia ficar sem dizer nada. Evitando falar coisas e loisas que me afetassem o bem estar. Carecia muito disso.
Já era quase noite quando me recolhi a minha morada. Estava num momento idílico. A sós com a lua cheia em meio à solidão do nada.
Ao fechar a porta eis que apareceu. Sem se anunciar. Um morador das vizinhanças. Era um menino espertinho que desde cedinho não sabia falar.
Mudinho era seu verdadeiro nomezinho. Era tratado assim desde quando nasceu sem poder balbuciar palavras. Ele se expressava através de gestos. A prosa com elezinho me era tudo que desejava naquele momento especial.
Proseamos até altas horas. Ele com as mãos. Eu com meus ouvidos.
Passaram-se mais de duas horas. O sono bateu em mim. Entrei na minha casa feliz da vida e agradecido ao menino mudinho pela prosa boa.
Mesmo não entendendo nem a metade do que ele tentava dizer recolhi-me ao leito.
Aquela foi de fato a melhor conversa que já tive. Quando somente escutei.