Nostalgia da velhice

Quem disse que ser velho é descansar sob os louros conquistados nunca acordou mijado.

Sem saber o que seja uma noite bem dormida. Já que a urina prestes a sair ensopa a cama todinha. E mal dá tempo de procurar o urinol. Pois no quarto de dormir reina uma escuridão danada. E o velho ancião não mais enxerga como dantes. E acaba não encontrando o pince- nez. Nome chique que se dá a um óculos leve sem as hastes. Que se mantém no nariz graças a uma mola. Dando um ar de intelectual a quem dele usa.

E o pobre idoso (tem quem prefira chamar o velho dessa forma). Se esquece da dentadura novinha dentro de um copo d’água. E na hora de comer aquele pão adormecido engasga.

E quase morre. Salvo pela velha que tenta dormir ao seu lado não consegue.

Que lhe estapeia as costas. Salvando-o da morte certa. Graças ao bem Deus ainda não chegou sua hora. Que se avizinha de mansinho.

Quem sequer imagina que ser velho não foge à rotina se engana.

A tão sonhada aposentadoria tem suas vantagens e desgraças.

Ficar à-toa nem sempre compensa.  Se pensa que viver o resto da vida com aqueles magros caraminguados se engana redondamente. O salário mal vence a primeira semana. Na segunda tem-se de recorrer a bufunfa da sua companheira de infortúnio. Que percebe a mesma mixaria que seu veinho caduco.

E não bastante isso de ser velho. Quando lhe falta o juízo. E o veinho gagá se atreve a olhar de banda aquela garota bunduda. Que passa toda faceira e exibida do seu ladinho. O pobre veinho pode ser intimado a depor. Em pessoa. Acusado de importunação sexual. Como ele fosse capaz de empinar a pipa que não sobe mais.

Ser velho em absoluto não é padecer no paraíso.  É sofrer as agruras da idade já que ele perdeu a mocidade faz tempo. E mesmo que deseje não consegue mais voltar atrás.

Ficar idoso. Embora rime com gostoso. Já há muito tempo acabou perdendo o gosto de muitas coisas que amava.

Comer torresmo duro não consegue. A dentadura não permite. Tomar uma cachacinha não lhe deixam.  A veinha está de olho nas suas proezas de outrora quando você perdeu a hora dizendo ter-se atrasado no trabalho. Mas pura bravata. Tu estavas na farra com os amigos. Muitos deles já falecidos.

Por falar em amigos velhos cito uma prosa de ontem de noite.

Estávamos numa alegre reunião de escritores. Findo o convescote só restávamos nós dois.

Éramos os retardatários naquela reunião literária. Quase todos já haviam se debandado, fazia certo frio. E não era tão tarde.

Aquele amigo. Com quem confabulava. Mostrava uma certa melancolia. Coisa da idade.

Proseávamos sobre tudo um pouco.  Ele já havia ultrapassados os mais de oitenta. Embora não mostrasse tantos.

De barba por fazer ele se queixava do frio. Morava na própria companhia.

Lembro-me de tê-lo visto numa rodinha de prosa num banco de jardim. Há tempos não o via. Ele se ausentava.

Na prosa boa que com ele mantive ouvi-o dizendo assim: “quase não tenho ido à praça que tanto amo. Faltam-me amigos da minha idade. Quase todos já não mais estão por aqui. Ou já morreram ou não saem mais de casa. Resta-me quase nenhum da minha idade. Em pouco tempo só eu estarei vivo para contar a minha história”.

Deveras. Percebi, na face daquele velho triste, uma indelével nostalgia da idade provecta.

Dentre em breve nada mais restarão senão lembranças. De um passado que resiste ao tempo. Sem tempo de perdurar. Já que o fim se aproxima. Como um imã que não atrai mais coisas boas.

 

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